“O filme traz essa reflexão profunda: para que a gente tem esse sistema carcerário? o que a gente quer com ele?” Assim resumiu Carolina Haber, da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, o que considera a grande contribuição do documentário Entre a Luz e a Sombra, exibido em pré-estreia no Tuca, na sexta passada (6/11).
De acordo com Carolina, o estado tem respondido com legislação mais dura à criminalidade e à violência originada no sistema carcerário, e “não com políticas públicas”, e acaba sem olhar para os problemas que ocorrem com os detentos, como a superlotação, por exemplo. A desativação do Carandiru em 2002 e a transferência dos detentos para o interior do Estado agravaram a situação, pois “assim ninguém vê o problema”, destacou Carolina.
A integrante do Ministério da Justiça participou do debate após o filme, juntamente com a diretora do documentário, Luciana Burlamaqui, alguns personagens do longa – o juiz Octávio de Barros Filho, o rapper Afro-X, e a atriz Sophia Bisilliat -, e o coordenador da Sociedade Santos Mártires, Osni Santos Gomes, com a mediação da professora Maria Stela Graciani, coordenadora do Núcleo de Trabalhos Comunitários (NTC) da PUC-SP.
O fato de o Estado e a sociedade não encararem de frente os problemas do sistema carcerário provoca reações violentas nos presos, concordaram Carolina, Luciana, Barros Filho e Sophia. Por isso, ocorrem diversas rebeliões, as mais graves registradas em 2001, e os ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) que aterrorizaram a população da capital e do interior, em 2006. Aliás, para o juiz Barros Filho, o fato de os presos não serem vistos pelos governos e pela sociedade é que levou ao fortalecimento do PCC e aos ataques. “O preso é considerado o lixo da sociedade e nunca foi reciclado”, e o filme ajuda a entender isso, destacou o juiz.
A diretora do filme, Luciana Burlamaqui, disse que a maneira como os presos têm sido tratados, gera mais violência e os exclui de qualquer possibilidade de reinserção. “Quando você é rejeitado e vê a rejeição, isso provoca uma revolta muito grande”. Para Luciana, é até compreensível se as famílias das vítimas de crime querem se vingar, no entanto, “o estado não pode ter esse caráter de vingança” e é preciso mudar isso com urgência.
O rapper Afro-X e ex-detento fez um apelo a todos: “De que forma nós podemos fazer a nossa parte para mudar esse ‘reality-show’? Todos nós somos responsáveis por isso”. Também fez uma reflexão sobre os valores cultivados nos lares do país que reforçam a criminalidade. “O que a gente está fazendo nas nossas famílias, em relação às drogas, ao sonho de consumo?” E revelou que acredita em mudanças. “Dentro de todo esse caos, eu penso que há esperança. Se não acreditarmos, como vai ser o amanhã no nosso país?”
“O filme fortalece a ideia de que é possível, o Afro-X é referência, é sonho de possibilidades”, disse Osni Santos Gomes, da Sociedade Santos Mártires. E citou como exemplo o trabalho do Fórum em Defesa da Vida, que conseguiu reduzir a violência no Jardim Ângela, na Zona Sul de São Paulo, que ficou conhecido como um dos locais mais violentos do mundo em 1996. “Com pequenas ações, várias organizações mostram que é possível fazer a diferença”, concluiu.
REPORTAGEM: PAULA CREPALDI paula@isps.org.br