Redução de 30% na poluição do ar evitaria cinco mortes ao dia em São Paulo


Na avaliação do médico e pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP Paulo Saldiva, a redução de 30% na emissão de gases de efeito estufa traria vários benefícios para os paulistanos, entre os quais a redução de cinco mortes ao dia. Para ele, entretanto, a meta prevista na lei que instituiu a política do município de São Paulo para a mudança do clima só será atingida com medidas restritivas à circulação de veículos. “Não vai ter muito jeito de [a solução] não passar pelo pedágio”, prevê.

Saldiva reconhece, no entanto, ser muito difícil para a Prefeitura tomar uma decisão como esta, tendo em vista os interesses envolvidos. “Estamos lidando com um conflito que permeia toda a sociedade”, avalia o pesquisador, que aponta “a falta de um transporte coletivo decente” como um dos principais empecilhos para a adoção da medida.

As declarações foram feitas durante entrevista à reportagem do Movimento Nossa São Paulo, na qual o professor faz uma análise da lei sancionada pelo prefeito em 5 de junho.

MNSP – Qual sua avaliação da Lei 14.933, que instituiu a política municipal sobre a mudança do clima?
Paulo Saldiva – De uma maneira geral, achei a lei legal. Como princípio balizador, ela nos diz onde devemos chegar e, mesmo que a gente não consiga atingir a meta (de redução de 30% na emissão de gases de efeito estufa), vamos saber o quanto deixamos de fazer da lição de casa. Isso tem uma força muito grande. 

MNSP – O que achou mais relevante?
Paulo Saldiva – A parte que estimula o transporte coletivo e, conseqüentemente, visa reduzir o transporte individual. Pegamos pesado com os emissores de fonte fixa e não fazemos a mesma coisa com os emissores de fonte móvel (o automóvel). Atualmente, para implantar uma indústria na cidade há uma série de exigências ambientais a serem cumpridas. Isto é positivo, pois ajudou a reduzir a emissão industrial. Entretanto, não há o mesmo rigor com os veículos.

MNSP – A mudança climática já é uma realidade? 
Paulo Saldiva – Em nível regional o aquecimento já começou a acontecer. Na cidade de São Paulo, o centro é mais quente que a periferia. Isto por causa da mudança da cobertura do solo e também pela emissão de gases de efeito estufa. A alteração do clima, por sua vez, irá alterar o regime das chuvas, provocando inundações e outras conseqüências negativas para a cidade, como o aumento de doenças de natureza infecciosa.

MNSP – Como a lei poderá ajudar a cidade?
Paulo Saldiva – Se você reduzir as emissões de gases de efeito estufa (como está previsto na lei), haverá uma melhora no clima, na poluição e, consequentemente, na qualidade de vida das pessoas. Acho, porém, que a meta de 30% é pouco factível. Talvez a gente esteja sendo ajudado pela crise econômica, mais do que qualquer política. Os investimentos no Metrô, no Rodoanel são algumas das medidas que também apontam num sentido positivo. Mas a diminuição de 30% nas emissões, só com medidas restritivas à circulação de veículos particulares.

MNSP – Aí entraria a questão do pedágio urbano?
Paulo Saldiva – Esse é o conflito. Não vai ter muito jeito de [a solução] não passar pelo pedágio. Aliás, já existe o pedágio urbano. É o valor do estacionamento, que está cada vez mais caro e não reverte nada para o transporte coletivo. Por outro lado, o cidadão tem razão em reclamar da falta de um transporte coletivo decente, que o estimule a deixar seu carro em casa.

MNSP – Caso a cidade conseguisse cumprir a meta prevista na lei, quais seriam os benefícios para os paulistanos?
Paulo Saldiva – Se assumirmos que a redução de 30% na emissão de gases de efeito estufa provoque diminuição similar na poluição do ar, cinco pessoas deixariam de morrer por dia na cidade, a expectativa de vida média do paulistano iria aumentar em meio ano, haveria queda de 5% nos casos de infarto do miocárdio e de 6% nos de câncer de pulmão, e São Paulo economizaria cerca de 300 milhões de dólares ao ano com a saúde.

MNSP – A lei é coerente com a política geral do município?
Paulo Saldiva – Acho que não e esse é o grande problema. Há poucas áreas da administração em que seja tão difícil implementar uma política quanto a do meio ambiente. Porque ela envolve divergências. Se eu quiser fazer uma vacina contra a gripe suína, alguém vai ser contra? Não, todo mundo irá apoiar. Mas se eu quiser restringir a circulação dos veículos particulares, vai ter gente favorável e contra. Vou ter que contrariar grandes interesses. Estamos lidando com um conflito que permeia toda a sociedade. Vamos fazer agora mais uma pista na Marginal, com um investimento enorme e que não atacará o problema central, que é a incapacidade de a cidade suportar a quantidade de veículos que tem.

MNSP – A lei irá funcionar ou será apenas uma declaração de boas intenções?
Paulo Saldiva – Vai depender da cobrança que será feita pela sociedade civil.

Veja a íntegra da Lei 14.933, de 5 de junho de 2009

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AIRTON GOES airton@isps.org.br

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