Uma plateia lotada de médicos, representantes da sociedade civil e de organizações ambientais participou no último sábado (28) de um encontro que teve como objetivo principal mostrar que o tema das mudanças climáticas não pode ficar restrito à agenda dos ambientalistas. A conferência “Doutores do Ambiente” foi promovida pela Associação Médica Brasileira (AMB), em parceria com a Faculdade de Medicina da USP e o Instituto Saúde e Sustentabilidade, e foi realizada no auditório nobre da Associação Paulista de Medicina.
“Este é o momento de colocarmos em prática uma ação conjunta entre o setor médico e o setor ambiental”, alertou Dana Hanson, presidente da Associação Médica Mundial (WMA). Ele falou sobre a necessidade de analisar as mudanças climáticas pelo viés da saúde dos pacientes: ”Não estamos aqui para descobrir os culpados ou para julgar. Precisamos colocar os indivíduos no centro dos debates. Por que a saúde da população não é o foco da Cop 15 (conferência mundial sobre o clima, que será realizada em Copenhague, na Dinamarca, em dezembro)?”.
Durante sua apresentação, Hanson destacou pontos da Declaração de Delhi, que foi traduzida para português e lançada durante o evento pela AMB. O documento é uma política de recomendações produzida pela WMA sobre mudanças climáticas e seus impactos na saúde humana. Por fim, o presidente conclamou os médicos brasileiros a envolverem-se com a questão.
O segundo bloco do evento começou com a palestra de Paulo Saldiva, chefe do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP, que comparou a cidade de São Paulo a um paciente. (leia texto abaixo) Os bairros seriam os órgãos e as pessoas as células. ”Apesar de termos uma legislação avançada do ponto de vista ambiental, o homem não foi incluído”. Para Saldiva, há um descompromisso com a saúde humana e parte da culpa é dos médicos. “Poucos gestores entendem de saúde. Estamos mais bem preparados para lidar com a hepatite B ou com H1N1 do que para entender os efeitos das mudanças climáticas na saúde”. A poluição, segundo dados apresentados pelo professor, provoca a morte de 4 mil pessoas por ano em São Paulo. “Os médicos devem usar a credibilidade e trabalharem ativamente, pois podem ser culpados pelo pecado da omissão”, alertou.
Depois das análises sob a ótica da saúde, Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apresentou um panorama das mudanças climáticas do ponto de vista ambiental. Para ele, as alterações no clima são o maior desafio que a humanidade já enfrentou. “Os processos biológicos não sabem responder ao aquecimento. O sistema é finito e não comporta crescimento exponencial. O capital natural da Terra está sendo dilapidado”. Em uma comparação com a crise econômica, o pesquisador disse que o planeta está sendo hipotecado a taxas subprime: “A quantidade de dinheiro necessária para mitigar alguns efeitos da mudança climática é menor do que para ajudar aos bancos”. Para ele, o planeta já passou de muitos pontos sem retorno e se os países emergentes cruzarem a linha da sustentabilidade a situação ficará ainda pior. “É preciso inventar um novo modelo de desenvolvimento”, finalizou.
Ao iniciar o bloco Conduta Terapêutica, Sérgio Cortizo, representante da secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, destacou que não tentar mudar o atual quadro é roubar o futuro das próximas gerações. Casemiro Tércio, coordenador do departamento de Planejamento Ambiental da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, explicou sobre a necessidade de posturas antecipatórias na gestão pública para tentar reduzir os impactos provocados pelas alterações no clima. “Não adianta o governo ser sustentável se não mudarmos nossa postura como cidadãos. É preciso mostrar para população a necessidade de mudar a forma de consumir”.
Eduardo Jorge, secretário municipal do Meio Ambiente, encerrou o bloco expondo o quão necessário são os exemplos. “A responsabilidade não é mais dos países industrializados. Em todas as áreas é possível articular ações e reduzir os danos”. O secretário apresentou alguns projetos de como a cidade de São Paulo está trabalhando a questão ambiental: construção de usinas em aterros sanitários para transformar metano em energia, programa de redução da emissão de poluentes por meio da inspeção veicular, defesa dos mananciais, expansão do número de parques e a lei de mudança climática.
Uma mesa-redonda composta pelo médico Adib Jatene; José Luiz Gomes do Amaral, presidente da AMB; Jorge Curi, presidente da APM; Antônio Carlos Chagas, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia e Cristina Godoy Freitas, promotora de Justiça, finalizou o evento. Jatene abriu as discussões dizendo que era cético em relação a propostas de longo prazo. “Se diagnosticou o problema, tem de atuar na solução”. Cistina Godoy destacou os paradoxos da época. “Vivemos um momento de preconização do desmatamento zero, mas 540 milhões de quilômetros foram desmatados na Amazônia”.
Chagas relatou que a poluição é um importante fator de risco para as doenças cardiovasculares. “Precisamos informar a comunidade médica e priorizar o controle dos poluentes”. Curi afirmou que estava muito satisfeito com o encontro. “Agora, temos a responsabilidade de transmitir aos nossos pares o que foi discutido aqui.” Gomes do Amaral terminou o debate discorrendo sobre o senso de oportunidade.”Devemos aproveitar o momentos e nos unir em torno desse projeto”.
São Paulo, uma cidade doente
“Caso clínico: paciente metrópole de São Paulo”. Esse é o tema da publicação lançada pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade no último sábado (28), durante a Conferência Doutores do Ambiente. O trabalho é resultado de um encontro promovido pela ONG, em setembro, que reuniu 34 profissionais de diversas áreas para unir esforços e conhecimentos como uma atitude de cidadania na determinação dos impactos em saúde dos processos de vulnerabilidades – áreas de exclusão social e áreas de risco – e propostas de ações. Os chamados Doutores do Ambiente assumiram, desde então, o desafio de batalhar pela inserção dos conceitos de saúde e sustentabilidade nas políticas públicas.
Na publicação “Sumário de Evidências – saúde, sustentabilidade e cidadania. Um observatório de caso urbano tendo como cenário a região metropolitana de São Paulo”, foram discutidas as evidências epidemiológicas, os achados clínicos e laboratoriais do “paciente”, e solicitadas as “condutas terapêuticas” a vários especialistas.
“A cidade necessita de uma intervenção imediata de nós, doutores do ambiente. Se não agirmos, o prognóstico será sombrio”, concluiu o médico Paulo Saldiva, um dos fundadores do Instituto Saúde e Sustentabilidade.
Saldiva fez questão ainda de citar como exemplo de descaso com a saúde da população o acordo judicial entre montadoras, Petrobras e Agência Nacional do Petróleo (ANP), firmado no final de 2008, que atrasou por mais quatro anos a comercialização do diesel com menos teor de enxofre. “O acordo prevê que um total de R$ 13 milhões em compensações por parte dos envolvidos. Se lembrarmos que o atraso provocará a morte de 14 mil pessoas, saiu muito barato. É um exemplo típico de inversão de prioridades. E cabe a nós, profissionais da saúde, lutarmos contra isso”, concluiu.
Reportagem: Luanda Nera (luanda@isps.org.br), com informações do portal WWW.amb.org.br