Com chegada das festas de fim de ano, rendimento da mendicância infantil salta de R$ 40 para R$ 70 por dia
Fernanda Aranda – O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO – A cidade de São Paulo tem pelo menos 245 pontos – entre cruzamentos, semáforos e feiras livres – em que há concentração de mendicância infantil. Nesses locais, meninos na maioria com idade entre 8 e 11 anos conseguem fazer a esmola render até R$ 2 mil por mês. O mapeamento foi feito por equipes de agentes sociais ligadas à Prefeitura. Os técnicos afirmam que essas mesmas áreas tendem a ficar mais disputadas pelas crianças com a proximidade das festas de fim de ano. Garotos e garotas sabem que a solidariedade aflorada reverte-se em mais dinheiro quando pedem esmola nas janelas dos carros ou quando apresentam malabares.
O raio X da mendicância urbana de crianças e adolescentes foi coordenado pelo pedagogo Itamar Moreira, com o auxílio do Instituto Social Santa Lúcia e o grupo Presença Social nas Ruas, entidades conveniadas à Secretaria Municipal de Assistência Social (SMADS), responsáveis por projetos de combate à mão de obra infantil.
Moreira contou os casos e regiões de incidência durante todo ano passado e publicou o livro com os resultados em outubro deste ano. Dos 245 pontos revelados, 25,7% estão em Pinheiros, zona oeste; 17,1% em Santo Amaro, zona sul, e 15,1% em Santana, zona norte. Lapa, Vila Mariana, Mooca, Jabaquara, Saúde, Moema e centro são as outras regiões de maior concentração dessas crianças.
"Perto do fim de ano, o trabalho de tentar resgatar os meninos fica ainda mais complicado, porque eles ganham muito mais dinheiro nesta época", afirma Moreira. Jonathan, de 13 anos, – um dos meninos atendidos pela entidade – confirma o adicional no rendimento. Ele costuma ganhar R$ 40 por dia. Mas, entre novembro e dezembro, em abordagens de só "dois ou três carros" que passam pela Avenida Brasil (onde faz malabares), "dá para levar uns R$ 70 contos."
Não é o aumento da renda o único desafio do trabalho de resgate dos meninos das vias públicas, diz Moreira. "Outro complicador é que a população no geral tem resistência em enxergar esses meninos como vítimas de exploração de trabalho. Se em vez do malabares, eles estivessem com uma enxada nas mãos, a associação seria imediata. Mas como as crianças nos faróis já fazem parte do cenário dos cruzamentos, parecem que ficam invisíveis."
Gabriella Bighetti, gerente de projetos da Fundação Telefônica – que por meio do projeto Pró Menino trabalha a questão da mão de obra infantil nas metrópoles – cita outros perigos a que crianças "invisíveis" estão expostas. "Aliciamento criminoso, exposição ao uso de drogas e abuso sexual", completa. Outras vulnerabilidades são a exposição ao sol sem proteção e desidratação.
Anderson, de 16 anos, mostra sua cicatriz na perna direita como exemplo de um outro perigo do dos faróis. "Foi um jipe que me pegou. Fiquei internado dois meses na Santa Casa", conta, ao citar que muitos dos seus amigos "já foram atropelados."