A poluição do ar de São Paulo altera o colesterol do sangue, o que aumenta a placa de gordura nos vasos, conhecida como aterosclerose, como mostra uma pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). A deposição de placa de gordura nas artérias facilita problemas como infarto e derrames cerebrais.
O ar de São Paulo possui partículas que, quando inspiradas, penetram na corrente sanguínea e alteram a estrutura da molécula do LDL, a lipoproteína de baixa densidade — conhecida como colesterol “ruim”. A molécula adquire, então, mais facilidade para formar camadas de gordura e engrossar a parede do vaso.
Os resultados são da tese de doutorado da biomédica Sandra Regina Castro Soares que comparou grupos de camundongos com excesso de colesterol, que viviam em câmaras no jardim da FMUSP, perto de uma avenida movimentada de São Paulo. Em uma das câmaras os camundongos respiravam o ar filtrado. Em outra, respiravam os mesmos poluentes que os pedestres.
Sandra expôs à poluição os animais desde o nascimento até a idade de quatro meses, o equivalente a cerca de 40 anos em seres humanos. A idéia era simular as condições de pessoas que respiram poluição desde o nascimento e apresentam infarto no coração na meia idade.
Camundongos que respiravam ar poluído tinham as paredes das artérias mais espessas. O sangue deles também continha mais LDL alterado e anticorpos que indicam maior risco de infarto.
A poluição de São Paulo está dentro dos limites de qualidade do ar estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde – 50 microgramas de partículas suspensas por metro cúbico de ar. Cerca de 80% dos poluentes têm origem veicular.
Círculo vicioso
A placa de gordura começa a se formar quando o LDL penetra na parede das artérias, vasos que levam o sangue do coração para o resto do corpo. A poluição altera o colesterol facilitando o seu depósito na parede dos vasos e atraindo células de defesa do organismo no local, que por sua vez atrai mais colesterol. O círculo vicioso, agravado pela ação dos poluentes, engrossa cada vez mais a parede das artérias.
O endotélio, camada do vaso que entra em contato com o sangue, adoece com a inflamação e pode se romper. Quando isso acontece, o sangue coagula. Como consequência, as partes do corpo irrigadas pela artéria morrem — o que os médicos chamam de infarto.
Lucia Garcia, orientadora de Sandra, explica que a comparação tem suas ressalvas, já que camundongos são diferentes de humanos. Mas estudos em animais servem para esclarecer porque pessoas que moram em cidades grandes e poluídas têm mais infartos que os moradores de pequenas cidades. “O camundongo é um mamífero que respira pela boca e nariz, como os seres humanos. Eles nos ajudam a estudar o coração e os vasos alterados pela poluição em uma mostra mais homogênea — com menos fatores de confusão como alimentação, cultura e raças diferentes. Esses parâmetros são mais difíceis de serem obtidos em humanos”.
O estudo foi o primeiro no mundo a analisar os efeitos do ar poluído real na formação de placa de gordura nas artérias. Segundo Lúcia, o trabalho causou interesse na Sociedade Internacional de Aterosclerose. Os estudos anteriores usavam apenas poluentes concentrados e não ao ar que as pessoas respiram. “Os pesquisadores faziam, por exemplo, que os animais fossem expostos a câmaras com concentradores de poluição de motor de carros e analisavam os efeitos sobre a saúde do animal”.
Um artigo resumindo a pesquisa pode ser acessado por assinantes na revistaAtherosclerosis. O estudo foi feito no Laboratório de Poluição Atmosférica, em parceria com os Laboratórios de Lípides, Soroepidemiologia e Terapêutica Experimental, todos da FMUSP. Também colaborou o Laboratório de Imunofisiopatologia, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), da USP.