“Programa social no lugar do habitacional” – O Estado de S.Paulo

 

Para a especialista, é preciso que o governo troque o discurso e crie condição de emprego de maneira descentralizada

Apesar de o número de favelas ter caído no ano passado pela primeira vez na história da capital, a verticalização e o aumento da densidade nas ocupações mostra em termos práticos que a política habitacional de São Paulo tem sérias falhas. Para a pesquisadora Maria Lúcia Refinetti Martins, professora e coordenadora do Laboratório de Habitação (LabHab) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), as recentes remoções realizadas pela Prefeitura não são soluções definitivas e apenas empurram o problema para outra região.

Mesmo com todas as ações da Prefeitura, há uma tendência de adensamento das favelas, conforme visto na Av. Jornalista Roberto Marinho?

Certamente isso está acontecendo, as favelas estão se adensando e se verticalizando. Quando você tem uma contenção às expansões, seja porque não tem mais terrenos ociosos ou porque a Prefeitura está de olho nas ocupações, não há alternativa a não ser povoar ainda mais as favelas que já existem. Isso significa construir um puxadinho, um quarto em cima, do lado, é mais gente nas casas. E isso acontece na cidade inteira. O número de favelas não cresce; a população, sim.

O que isso gera?

Quanto mais adensada a favela, piores as condições de vida ali dentro, justamente por causa das condições físicas, falta de ventilação e de espaço. O adensamento também gera tensão social ainda maior, por espremer um grupo social em um pedaço pequeno de terra.

Há uma solução prática?

Bem, todo mundo sabe que São Paulo tem uma enorme quantidade de imóveis ociosos e subaproveitados, que deveriam ser envolvidos no programa habitacional. Também todo mundo sabe que é preciso ter mais oportunidades de empregos em outras regiões de São Paulo e até mesmo em outras cidades. Mas, mais do que tudo isso, é preciso parar de falar só em programa habitacional e pensar em programa social. Se a pessoa não tem onde morar e muito menos dinheiro, vai para uma favela, não tem alternativa.

A política da Prefeitura pode ser considerada falha?

Não dá para pensar que basta dar uma verba de remoção para tirar essa família de uma ocupação, o popular cheque-despejo. Muito provavelmente, a família vai continuar com o mesmo problema e apenas irá para outra área. É o que está acontecendo hoje. A urbanista Mariana Fix tem um livro no qual ela mostra como foi feita a construção da Água Espraiada. As famílias que moravam em favelas ali foram removidas e acabaram sendo descoladas para a beira de mananciais. Ou seja, saíram de um lugar problemático para uma área de proteção ambiental. Esse fenômeno expõe essa deficiências da política habitacional. Você remove, mas não dá uma solução definitiva. A favela apenas acaba indo para outro canto.

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