“Samba paulistano afirma o vínculo comunitário e territorial” – Agência USP

 

Por Ana Carolina Athanásio – ana.carolina.santos@usp.br

Os diversos usos do território paulistano pelos sambistas e a relação entre o território, a cultura e a tradição das comunidades que fazem parte do “mundo do samba”, foram temas de um estudo desenvolvido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Com um olhar geográfico, houve o levantamento dos locais ligados ao samba e verificou-se que a maior concentração de escolas de samba ativas na capital paulista está localizada nas regiões Leste e Norte de São Paulo.

Em seu doutorado – As territorialidades do samba na cidade de São Paulo – o geógrafo Alessandro Dozena estudou as maneiras com que os espaços paulistanos são apropriados pelos sambistas, que podem considerar o samba não apenas como um gênero musical, mas como um estilo de vida territorialmente vivenciado. A pesquisa teve orientação do professor Francisco Capuano Scarlato e auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Segundo o pesquisador, “o samba é mais do que um estilo musical, ele tem grande importância na formação e na afirmação da identidade das comunidades e está relacionado à ideia de pertencimento em relação a um grupo ou a um lugar específico”. De acordo com a pesquisa, há uma relação simbólica e subjetiva entre a população e os espaços destinados ao samba – como a quadra de uma escola de samba, por exemplo. As pessoas veem o lugar onde o samba acontece como algo que faz parte de suas vidas e contém muitas representações de suas memórias coletivas.

Essa identificação com o lugar faz com que muitas pessoas se desloquem de um ponto a outro da cidade para freqüentar determinada roda ou escola de samba. “Uma das características das práticas sociais atreladas ao samba é a mobilidade e a fluidez. Essa constante fluidez pode ser observada na dinâmica das escolas e rodas de samba, movimentos e projetos de samba – e foi algo importante que acompanhou o processo de urbanização paulistana”, afirma Dozena.

A expansão do samba na Paulicéia ocorreu concomitante com seu processo de urbanização. Até meados do século XX, os sambistas concentravam suas práticas na região central de São Paulo, mas com as transformações ocorridas durante essa época impulsionadas pela especulação imobiliária, muitas pessoas que faziam parte do “mundo do samba” foram expulsas e passaram a morar distantes do centro. Com isso, os hábitos, cultura e tradições foram se espalhando e possibilitando a configuração de outros territórios destinados ao samba.

“Há uma característica interessante nas práticas sociais que acompanham o samba. É comum encontrarmos pessoas que saem da região Oeste de São Paulo, por exemplo, para participar de rodas de samba ou eventos de escolas de samba na região Leste. Nesse ponto, é possível observar que o pertencimento comunitário muitas vezes ultrapassa a noção de bairro. A questão da configuração de redes de sociabilidade é muito forte e torna possível essa intensa e incessante mobilidade no mundo do samba”, explica o pesquisador.

Territorialização das escolas de samba

Essa dispersão da população para as periferias intensificada a partir da década de 1950 foi um fator importante que influenciou a maior concentração de escolas de samba nas regiões Leste e Norte de São Paulo, observada atualmente. Segundo Dozena, “as escolas de samba começaram a ganhar força nos bairros periféricos a partir dessas modificações ocorridas na cidade. Anteriormente, estavam concentradas nos bairros centrais e, com a expulsão dos sambistas do centro, muitas escolas de samba foram criadas e mantidas até hoje em bairros marginais de São Paulo”.

Das 80 escolas de samba ativas em São Paulo, 32 delas estão localizadas na região Leste e 20 na região Norte. Já a região Oeste da capital e a região Central contam, cada uma, com apenas 7 escolas. Para o geógrafo, “um fator relevante para a baixa concentração de escolas de samba na região Oeste – na área próxima aos bairros Morumbi, Itaim Bibi e Moema – é a presença de blocos carnavalescos ao invés de escolas de samba além da baixa densidade de vida comunitária aí manifestada. Já em outros bairros, como o Capão Redondo, a presença do rap é marcante e coexiste com o samba”.

Outro dado interessante presente na pesquisa refere-se à distribuição das escolas de samba ativas por classes econômicas. A maior concentração de escolas situa-se em bairros pertencentes às classes econômicas B2 e C (Critério de Classificação Econômica Brasil – Associação Brasileira de Estudos Populacionais), deixando evidente a correlação entre a renda e a distribuição espacial das escolas de samba. Das 80 escolas de samba ativas em 2009, 62 estão localizadas em regiões pertencentes às classes B2 e C e apenas 2 estão em bairros de classe A2. “É clara a territorialização das escolas de samba em regiões de renda média ou baixa e a pouca presença de quadras de escola de samba e rodas de samba nos bairros mais ricos”, diz o pesquisador.

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