“As práticas administrativas municipais podem fazer experimentação social para além dos estados e do País. A grande criatividade política das últimas décadas, com raras exceções, surgiu nas cidades”. As declarações do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra, sintetizaram o objetivo do Seminário Internacional Metrópoles Solidárias, Sustentáveis e Democráticas. O evento, que começou nesta terça-feira (26) e segue até amanhã (28), está sendo realizado na cidade de Canoas (RS), na Grande Porto Alegre, e faz parte das atividades oficiais do Fórum Social Mundial 2010.
A ideia de construir alianças para impulsionar formas inovadoras democráticas e inclusivas de gestão local começou na primeira edição do Fórum Social Mundial, em 2001. De lá para cá uma série de encontros internacionais já foram realizados, em vários países. A partir do I Fórum de Autoridades Locais de Periferias para Metrópoles Solidárias, realizado em 2006, em Nanterre, na França, a articulação passou a incluir também as cidades periféricas. E o próximo passo agora é a preparação para o II Fórum de Autoridades Locais de Periferias para Metrópoles Solidárias que ocorrerá em Getafe, na Espanha, em junho deste ano.
Ontem, na abertura do encontro, a palestra do sociólogo português atraiu centenas de participantes do FSM, além de prefeitos de cidades do Rio Grande do Sul e de outros estados. A partir do tema “Mundialização alternativa e emergência das periferias”, Boaventura começou citando exemplos internacionais de iniciativas de democracia participativa que surgiram nas cidades: “Nos Estados Unidos, por exemplos, a experimentação de um projeto de salário digno só tem sido possível no âmbito do município. Em Toronto, toda a assistência dos serviços públicos é terceirizada para trabalhadores de cooperativas. Isso não foi possível no Canadá todo, mas é realidade na cidade de Toronto”.
Na América Latina, Boaventura classifica como a grande contribuição dos municípios a experiência do Orçamento Participativo (OP), implantado inicialmente em Porto Alegre, em 1989, e hoje adotado em mais de 300 cidades no mundo. A metodologia consiste, basicamente, na participação dos moradores da cidade nas discussões sobre a aplicação de recursos em áreas como transporte, saúde, assistência social, cultura, turismo e desenvolvimento urbano. Hoje, duas décadas depois, cerca de 15 mil pessoas participam ativamente do OP em Porto Alegre. “Nos anos 80, achava-se que a América Latina não tinha nada a ensinar para o resto do mundo. E a proposta do OP mostrou que essa ideia estava errada. Até hoje especialistas do mundo todo vêm aqui aprender com os brasileiros”, destacou o sociólogo.
Assim como a iniciativa do OP, Boaventura defendeu que as cidades têm condições de ir além da política nacional e, com isso, acelerar a transição entre a ditadura e a democracia – o que, na opinião dele, ainda está em andamento: “Não é preciso esperar pelas leis, pelo enquadramento nacional. Os municípios podem criar experiências revolucionárias na cultura, na educação e em diversas áreas. Muitas crianças são feitas ignorantes por meio das escolas – e as cidades têm condições de impedir isso!”.
REPORTAGEM: LUANDA NERA