MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Até uma petista como a urbanista Raquel Rolnik elogia a decisão do prefeito Gilberto Kassab (DEM) de repovoar o centro. Professora da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) e relatora das Nações Unidas para a questão da moradia adequada, Rolnik diz que a decisão de São Paulo deve ser seguida por outras cidades. Ex-secretaria do Ministério das Cidades, ela diz que o governo Lula não priorizou a reocupação das áreas centrais, mas criou o financiamento para a reforma de imóveis usados que viabilizou a decisão de Kassab.
FOLHA – A desapropriação de 53 imóveis no centro é uma boa ideia?
RAQUEL ROLNIK – A medida é positiva. Há consenso na política habitacional de que moradia adequada é mais do que quatro paredes e um teto. É a possibilidade de acesso à urbanidade, com uma infraestrutura, equipamentos sociais e a oportunidades econômicas e culturais.
FOLHA – O centro tem vantagens sobre a periferia?
ROLNIK – O centro é um grande concentrador de empregos, de oferta cultural, de diversidade social. Só na última década, a área central de São Paulo perdeu mais de 100 mil habitantes. Calcula-se que o deficit habitacional é de 260 mil unidades, mas temos 400 mil casas vazias. O reaproveitamento do parque construído tem todo o sentido. Essa medida reverte a ideia de que moradia popular deve ser na periferia.
FOLHA – Você, que é do PT, saberia dizer por que a prefeita Marta Suplicy não tomou esse tipo de medida quando esteve no cargo?
ROLNIK – A prefeita promoveu a reforma de mais de duas dezenas de imóveis no centro. Fez o parque do Gato, reformou um hotel para abrigar moradias na Maria Paula e criou o projeto de reforma do [edifício] San Vito.
FOLHA – Que não saiu do papel.
ROLNIK – Não saiu por decisão do Serra e do Kassab. A Marta ia na direção de repovoar o centro, só que ela ficou quatro anos no cargo, enquanto essa gestão ficará oito. Se ela tivesse ficado oito anos, teria aumentado o repovoamento. Você não pode esquecer que o programa Minha Casa, Minha Vida mudou o financiamento para esse tipo de imóvel. Temos hoje muito mais condições do que em 2001 [quando Marta estava no cargo]. Isso não desmerece em nada o trabalho que a prefeitura está fazendo agora.
FOLHA – Há um consenso entre urbanistas de que a moradia é tratada de maneira equivocada por Lula. Por que ele não fez no país um programa de reocupação de centros?
ROLNIK – Não dá para dizer que tudo o que o governo Lula fez em habitação é equivocado. A enorme quantidade de recursos que foi investida em moradia popular era uma reivindicação histórica e não se pode ser desprezada. Houve também gastos muito altos em urbanização de favelas. A política de repovoamento dos centros esteve presente, porém não foi priorizada. É claro que precisamos continuar a construir casas. Mas não podemos ignorar os imóveis desocupados.