Fraudar licitações, pagar propina a servidores públicos ou praticar atos ilícitos no fornecimento de serviços e produtos à administração pública nacional e internacional poderá render penalidades mais severas do que as previstas atualmente para esse tipo de crime. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de encaminhar ao Congresso projeto de lei que torna mais imediata e onerosa a punição às empresas acusadas de corrupção para obter vantagem nas transações com os governos municipais, estaduais e federal.
A proposta prevê a aplicação de multas no valor de 1% a 30% do faturamento bruto da empresa, cassação de bens dos envolvidos, rescisão do contrato em questão e a proibição tanto de firmar novos contratos com órgãos públicos como de receber subsídios ou empréstimos de bancos controlados pelo poder público. Em alguns casos, como a constatação da existência de empresas de fachada, elas poderão ser fechadas.
No âmbito administrativo, o processo pode transcorrer em apenas seis meses, um avanço em relação à morosidade da legislação em vigor, que não atinge o patrimônio das empresas corruptas, além de deixá-las praticamente livres da obrigação de ressarcir os prejuízos causados aos cofres públicos.
Atualmente, o caminho para a punição é longo, por conta de uma legislação classificada de "medieval" pelo ministro Jorge Hage, da Controladoria-Geral da União (CGU). "Ao final, a penalidade não é forte o suficiente para evitar que novos crimes sejam cometidos", afirma ele. Pela lei de licitações, a empresa que fraudar uma concorrência pública pode ser declarada inidônea e ter de pagar uma multa contratual. Para enquadrar a empresa na lei de improbidade administrativa a ponto de puni-la, é preciso identificar o funcionário público envolvido na fraude.
O portal da transparência mantido pelo CGU, com a lista suja da corrupção e a de empresas inidôneas excluídas das concorrências públicas, não tem sido suficiente para coibir a ação de corruptos e corruptores. Nos escândalos recentes apurados pela Polícia Federal, apenas diretores ou funcionários das empresas acusadas de fraude foram presos ou processados. O novo projeto de lei cria mecanismos para punir diretamente as empresas sem a necessidade de enfrentar o desgaste de um processo judicial arrastado.
Recebida com entusiasmo por setores vanguardistas da área privada, a proposta do presidente Lula é vista como instrumento importante para combater a corrupção. "Passou da hora de termos um novo marco legal para enfrentar esse crime, que tem um custo altíssimo tanto para o país quanto para as empresas", argumenta Caio Magri, assessor de políticas públicas do Instituto Ethos.
De acordo com a pesquisa do Global Corruption Report 2009 (GCR), lançada no Brasil com o título Relatório Global de Corrupção 2009: a Corrupção e o Setor Privado, esse custo é estimado em até 40 bilhões de euros anuais, apenas em países em desenvolvimento – no Brasil, calcula-se que esteja em torno de R$ 380 bilhões por ano. Metade dos executivos de negócios internacionais entrevistados estima que a corrupção aumente em pelo menos 10% os custos de projetos. Ou seja: os consumidores ao redor do mundo pagam aproximadamente US$ 300 bilhões a mais em produtos, por conta de quase 300 cartéis internacionais descobertos entre 1990 a 2005.
Na visão de Caio Magri, o novo projeto de lei vai ao encontro das propostas desenvolvidas em frentes de debate sobre o tema, como o Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção, lançado em 2006 por iniciativa do Instituto Ethos e do UniEthos,, em parceria com a Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) e o Comitê Brasileiro do Pacto Global.
O pacto, que tem 200 signatários, se baseia na Carta de Princípios de Responsabilidade Social, na Convenção da ONU contra a Corrupção, no 10º princípio do Pacto Global e nas diretrizes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo que reúne 31 países desenvolvidos que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia do livre mercado.
"Na verdade, a nova legislação é uma convergência entre as propostas do Grupo de Trabalho contra a Corrupção e as necessidades que o Brasil tem de implantar as diretrizes do OCDE", analisa Caio Magri. Uma delas se aplica às multinacionais e determina que funcionários envolvidos em suborno em países onde a empresa atua também serão julgados no país-sede da companhia – que, de modo geral, possui legislação mais rígida.
Segundo Caio Magri, o momento agora é de discutir o aperfeiçoamento desse marco regulatório, para que resulte num projeto administrativo e jurídico ágil e eficiente. "Não podemos conviver mais com empresas flagradas em atos de corrupção. O setor privado tem um papel crucial a desempenhar, operando com transparência e responsabilidade", conclui o assessor de políticas públicas do Instituto Ethos, torcendo para que a lei seja logo aprovada pelo Congresso, sancionada pelo presidente Lula, regulamentada e colocada em prática pela Controladoria-Geral da União.