Jorge Wilheim
A recente cassação de vereadores de São Paulo, em primeira instância, por terem recebido de 20% a 70% dos recursos de campanha de uma empresa (AIB), aparentemente inativa, porém fortemente vinculada ao Secovi, o sindicato das empresas do mercado imobiliário, deveria acarretar o adiamento ou cancelamento das discussões e da votação do Projeto de Lei (PL) nº 671/2007, que versa sobre a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) – Lei nº 13.430, de 2002. A redação do parecer, elaborado pelo vereador Police Neto, não pode alterar essa situação constrangedora, além do que seu extenso texto passa ao largo de todas as alterações do plano, nitidamente beneficiando o setor imobiliário. O parecer termina pela aprovação do PL, porém transformado em substitutivo, em decorrência de eventuais debates em plenário que levem em consideração as diretrizes conceituais novas apresentadas pelo parecerista, revogando-se o plano vigente desde 2002.
Com efeito, é provável que o prefeito Gilberto Kassab, mais sensível do que seu antecessor, assim como os demais vereadores levem em consideração o acréscimo de resistência da mídia e das 180 entidades da sociedade civil – entre as quais o Defenda São Paulo, o Movimento Nossa São Paulo, o Polis e outras de igual prestígio – que se manifestam de forma precisa e homogênea contra as profundas alterações que o PL pretende fazer no Plano Diretor vigente, acusando essa revisão de apenas beneficiar o setor mais voraz do mercado imobiliário. Esses aspectos nocivos à cidade foram explicitados pelas entidades em reunião da Comissão de Urbanismo da Câmara Municipal: a inexistência de qualquer avaliação do plano vigente, a fim de justificar as revisões propostas; a retirada arbitrária de todas as diretrizes de longo prazo: sociais, econômicas, culturais, segurança, de abastecimento, educação e saúde, reduzindo o plano a uso de solo, ambiente e sistema viário; a retirada das macroáreas em que se determinam, para cada setor da cidade, as características de preservação, contenção, qualificação de urbanização consolidada, expansão com estruturação, as quais orientam a Lei de Uso do Solo, abrindo-se destarte a perspectiva para alterações arbitrárias do zoneamento.
Cumpre informar que o parecer do relator e a Prefeitura mencionam reuniões públicas realizadas, porém não informam o fato de que em nenhuma delas se apresentou, artigo por artigo, o que se propunha alterar ou mesmo retirar, tornando ineficaz o seu debate.
Por esses motivos as entidades sugeriam que a Câmara devolvesse o texto da revisão ao Executivo para que este procedesse a uma reformulação. No entanto, permiti-me, na ocasião, outra observação que agora torno pública. O PDE foi elaborado para uma vigência de 2002 a 2012. Durante os anos de 2010 e seguintes poder-se-ia iniciar a prévia avaliação, e não passar a construir o próximo plano. Mormente nas atuais circunstâncias, em que, independentemente da manutenção ou do cancelamento da cassação, boa parte da Câmara permanecerá sob o manto da suspeição de estar vinculada aos interesses do setor mais voraz do mercado imobiliário.
A fim de ir além do já determinado pelo inovador plano vigente e supondo que nos próximos dois anos haverá tempo para regulamentar importantes artigos existentes – assim como implantar os corredores de ônibus planejados, porém ainda faltantes, completar a construção dos restantes CEUs da periferia, ampliar a rede integrada de transporte público -, vejam, por exemplo, quantos temas surgidos nos últimos anos poderiam enriquecer o novo PDE:
Rever a legislação de transferência de potencial construtivo e proceder à normatização da densidade de veículos privados, como medidas de contenção edilícia, a fim de estancar o afogamento do trânsito no sistema viário, que já não corresponde ao volume de construção permitido;
criação da rede de infradutos, melhorando a manutenção das redes e a paisagem urbana;
elaboração e implantação dos planos de bairros, valorizando as referências locais e os pontos de encontro;
aumento do poder dos subprefeitos e implantação dos conselhos de representantes;
integração do Plano Diretor a um plano da macrometrópole, a fim de criar uma região urbanizada de São Paulo, com polos e núcleos interligados que implantem um novo modelo de vida urbana;
ampla cobertura de ilhas digitais e telecentros;
implantação de um Plano de Transporte de Cargas, criando-se os centros de transferência intermodal de cargas na proximidade das rodovia;
elaboração do Programa Municipal de Mudanças Climáticas e implantação de suas ações estratégicas;
alterações de gestão que instituam a prática de redes sociais público-privadas;
invenção e modificação da tecnologia de tratamento de esgoto;
implantação do programa de mobiliário urbano.
Menciono os exemplos acima para comprovar que a cidade ganharia se substituísse a proposta de revisão do plano vigente pela elaboração e discussão de subsídios para o próximo plano, abrindo a oportunidade para amplo debate até 2013. Valeria a pena, contudo, não perder alguns artigos de caráter ambiental, desdobramentos úteis e bem formulados do plano vigente e constantes do atual projeto de lei da revisão; eles poderiam ser objeto de um documento próprio a ser aprovado pela Câmara.
Informo, ainda, por pertinente, que no Movimento Nossa São Paulo já iniciamos um processo de estudo e debate do que poderia ser a São Paulo de 2022, ano-meta do próximo Plano Diretor, assim como ano de comemorações do bicentenário da Independência e do centenário da Semana de Arte Moderna…
Jorge Wilheim é arquiteto e urbanista. E-mail: jorge.Wilheim@jorgewilheim.com.br