“Déficit só será zerado em 2024” – Jornal O Estado de S.Paulo


Plano aponta que 92.195 famílias precisam de novas casas; número de favelas cai na cidade

Rodrigo Brancatelli e Bruno Paes Manso

Pela primeira vez desde 1934, ano da criação da primeira ocupação registrada em relatórios da Prefeitura, o número de favelas caiu em São Paulo. A curva de crescimento de invasões, que subiu vertiginosamente nas décadas de 80 e 90, sofreu agora uma inédita queda – em 2008, eram 1.641 favelas e atualmente são 1.626. Ainda assim, a notícia não esconde o enorme desafio que é sanar a carência de moradias populares. Mesmo com a manutenção de investimentos recordes em regularização e reurbanização de favelas, o Plano Municipal de Habitação (PMH), recém-concluído pelo governo, aponta que o déficit habitacional só deverá ser zerado em 2024.

Atualmente, o PMH aponta um déficit de 390 mil famílias. Dessas, 92.195 precisam de novas casas de forma mais urgente, pois vivem em áreas de risco ou em terrenos que serão desapropriados pelo governo para obras públicas. As outras famílias moram em regiões que poderiam passar por reurbanizações, como as que ocorrem hoje em Paraisópolis e em Heliópolis, ambas na zona sul. O PMH ainda aponta que 127.084 famílias moram em cortiços e outras 318.372 estão em áreas irregulares ou informais, que precisam passar por regularização fundiária.

"Estamos fazendo esse levantamento desde 2005 e agora temos uma base de dados para apontar todas as diretrizes que serão seguidas para a habitação popular em São Paulo", explica o secretário municipal de Habitação, Elton Santa Fé Zacarias. "Hoje temos um investimento recorde, de R$ 1 bilhão. Há alguns anos, esse valor não passava de R$ 200 milhões. Se isso for mantido, poderemos sanar o déficit em 2024. As intervenções habitacionais agora vão ser integradas com outras ações, como o programa de parques lineares e outras obras públicas."

Ainda de acordo com as conclusões do PMH, 60% das favelas ocupam terrenos que seriam destinados a praças e parques públicos. Esses barracos, as invasões, os cortiços, os loteamentos irregulares e toda a sorte de assentamentos em São Paulo fazem parte de um fenômeno extremamente complexo, que inclui um descaso histórico pela periferia e mais de duas décadas de falência do sistema de crédito habitacional para a população de média e baixa rendas. Fica um pouco mais fácil compreender a história dessas ocupações paulistanas ao ouvir as histórias que o mineiro Elgito Boaventura, de 59 anos, tem para contar. Boaventura migrou de Caratinga (MG) para a capital em 1969 e calcula que pelo menos 20 bairros da zona leste surgiram das invasões que ele ajudou a organizar entre os anos de 1980 e 1987.

Quando Boaventura chegou a São Paulo, aos 19 anos, a cidade vivia a fase dos empregos abundantes. Ele trabalhou como tecelão e mecânico de tecelagem. "Mesmo empregado, quando você saía para dar uma volta, era comum encontrar um emprego melhor, que oferecia ainda mais. Não trabalhava só quem não queria", lembra.

No começo dos anos 1980, com o avanço tecnológico e a crise do emprego, ele acabou mergulhando de cabeça nos movimentos de moradia. Foi uma época em que donos de imobiliárias, proprietários de terras nas periferias e moradores que sonhavam em construir uma casa própria para abandonar os aluguéis compartilharam interesses e ocuparam em massa as bordas da cidade.

O dono de imobiliária e o proprietário de terra entravam em contato com lideranças de moradia, avisando que havia um terreno à disposição. A terra era invadida e, a gleba, dividida em pequenos lotes e vendida para os ocupantes. O proprietário do terreno conseguia audiência com um juiz e chegava a um acordo amigável com os invasores. Todos lucravam, já que a terra fatiada rendia mais aos proprietários e donos de imobiliária, além de garantir terreno para aqueles que não tinham. Perdia a cidade como um todo, pois os proprietários de terra, que eram obrigados por lei a construir ruas e fazer benfeitorias no bairro, acabavam sendo dispensados do encargo, restando para as autoridades públicas resolverem.

A primeira grande invasão da zona leste ocorreu em 1º de outubro de 1981. Ela existe ainda hoje e é conhecida como Jardim 1º de Outubro – por sinal, atualmente com 3,5 mil famílias, passa por processo de reurbanização pela Prefeitura.

Em 1987, veio a ocupação que iria marcar a história. Iniciou-se em um sábado de carnaval. Ao longo de semanas, de 50 mil a 60 mil ocuparam terrenos em Guaianases, São Miguel e Itaim Paulista. As disputas judiciais e resistências levaram o governo estadual a aprovar projeto que destinava 1% da receita de ICMS à construção de moradias. Junte-se a isso terras devolutas em São Miguel, que pertenciam à União e foram destinadas à reforma urbana. "Essa conquista é um divisor de águas no movimento de moradias. Hoje o diálogo é mais aberto e nossa luta visa a aumentar os recursos no setor", diz Boaventura, recém-eleito para o Conselho Municipal de Habitação. 

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