“Especialistas discutem projetos de ‘cidades verdes’ no Fórum Urbano Mundial” – Último Segundo

 

A ideia de um mundo repleto de “cidades verdes”, ambientalmente sustentáveis e preparadas para os impactos decorrentes do desenvolvimento, parece ainda ser um sonho distante neste início de século XX. Aos poucos, porém, projetos inovadores, compromissos de governos, empresas e população e campanhas de mobilização podem fazer a diferença para evitar que as cidades sejam vistas como vilãs do meio ambiente e fonte de poluição e desperdício. É o que pensam especialistas dedicados ao assunto, reunidos esta semana no Fórum Urbano Mundial, no Rio de Janeiro.

Organizado pela ONU-Habitat, o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, o fórum vem tentando reafirmar entre os seus quase 20 mil participantes o que se convencionou chamar de “direito à cidade” – o reconhecimento dos direitos das pessoas que vivem na cidade como um direito fundamental. A ONU-Habitat tem chamado a atenção, por exemplo, para o “urbano dividido”, tendência de uma urbanização fadada à segregação especial, ao uso maior de energia e aos altos custos financeiros.

Uma parcela dos especialistas, no entanto, vai além. Defende o “direito à cidade verde”, requisito, segundo eles, para enfrentar o problema da mudança climática no planeta. “As cidades causam muitos problemas e são, ao mesmo tempo, soluções. Essa premissa vale, em especial, para as questões ecológicas e ambientais. Precisamos urgentemente de cidades verdes, e formar alianças para concebê-las”, afirma Annette Von Schönfeld, diretora da Henrich Böll Stiftung, uma fundação da Alemanha dedicada, entre outras coisas, a pensar políticas verdes para as cidades.

Annette mediou um dos debates desta quarta-feira, no Fórum Urbano Mundial. Ao lado dela, especialistas da Alemanha, Argentina e México dividiram com a plateia experiências inovadoras e ideias para alcançar uma meta que ainda é vista como cara e de difícil aplicação.

Exemplos

Um dos exemplos foi descrito por outra integrante da Fundação Henrich Böll, Judith Utz. Ela citou a experiência da cidade de Masdar (“Cidade fonte”, em árabe), que está sendo construída em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. A concepção exibe um modelo inusitado: zero de carbono, zero de resíduos e zero de veículos. A eletricidade será gerada por energia solar e eólica, e a água, fornecida por meio de processos de dessalinização. A maioria das ruas terá apenas três metros de largura e 70 de comprimento para facilitar a passagem do ar e incentivar a caminhada.

Modelo similar aparece em Xeritown, um complexo urbano construído em Dubai. Também sem automóveis, a cidade incentivará um estilo de vida pedestre, com engenhosidade para facilitar o uso de energia e ventilação naturais – aproveitando a brisa fresca que vem do mar e obstruindo o vento quente do deserto. Os edifícios serão altos para fornecer sombras para as ruas. Em vez das árvores, bastante dependentes da água, estruturas circulares lisas com painéis destinados a gerar energia solar a ser usada em toda a cidade.

O modelo parisiense de uso coletivo de bicicletas como meio de transporte público também foi lembrado. Inaugurado em 2007 e exemplo para várias cidades européias e, desde 2008, também para o Rio de Janeiro, o Vélib permite o aluguel self-service de bicicletas, em estações espalhadas pela cidade. Pode-se alugar por um dia (1 euro), uma semana (5 euros) ou um ano (apenas 29 euros).

“É um exemplo muito lindo da Europa”, define Judith Utz, coordenadora de políticas municipais e desenvolvimento urbano da Fundação Henrich Böll.  Para ela, “a ação é local, mas a responsabilidade deve ser global” – premissa, diz, para atender à necessidade de “vivermos num ambiente são”.

América Latina

As ações não se resumem ao mundo rico, garantiu o secretário do Meio Ambiente da Cidade do México, José Bernal Stoopen. Para uma cidade com 21,1 milhões de habitantes (é uma das mais populosas do mundo), trânsito caótico e grandes problemas de poluição e segurança, projetos eficazes de transporte são essenciais não só para facilitar o trajeto da população como reduzir o tamanho das emissões de gás carbônico.

O projeto descrito por Bernal Stoopen inclui corredores especiais de ônibus – com direito a um “Corredor de Emissões Zero”, destinado a mitigar as emissões de carbono. Mais: restrição de circulação de veículos, incentivo ao uso de bicicletas (o Ecobici) e táxis, além da ampliação das linhas do metrô. (A rede da cidade mexicana tem 250 quilômetros de extensão, contra pouco mais de 60 quilômetros em São Paulo). “É um grande desafio em termos econômicos, pois incluem ações de mitigação, adaptação e comunicação. É uma revisão completa do modelo”, definiu o secretário.

Outro especialista, o argentino Pablo Bertinat, relatou a experiência da cidade de Rosário, na Argentina, onde o governo local tem executado programas em parceria com universidades e organizações não governamentais de uso de energia solar. Diretor do Programa Argentina Sustentável, Bertinat defendeu a ideia de que a luta contra a pobreza e pelo meio ambiente é uma coisa só. “Os caminhos são conjuntos e só assim conceberemos uma cidade de direitos sociais e verdes”, disse.

Limites

O argentino afirmou que a construção de um mundo repleto de “cidades verdes” esbarra em fatores como desinformação, falta de instituições dedicadas à causa ambiental e da ausência de propostas para a transição do modelo atual para um outro sustentável.

Com 25 anos de experiência teórica e prática no assunto, Pablo Bertinat ressaltou, no entanto, que nem o “sobreconsumo” é ecologicamente sustentável, nem a “privação” é socialmente sustentável. “Ainda não encontramos um modelo de transição, mesmo reconhecendo que a humanidade depende da biodiversidade natural”, afirmou.

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