Justiça suspende mudanças na ‘Lei do Psiu’ em São Paulo

Independentemente da decisão judicial, vereadores debatem novas propostas visando restabelecer  pontos da legislação anterior. Entidades dizem que fiscalização precisa melhorar    

Nesta quinta-feira (25/3), o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspendeu a vigência da Lei 15.133, que abrandava as regras para aplicação do Programa de Silêncio Urbano (Psiu) na cidade. A liminar, que foi deferida pelo desembargador Eros Piceli, atende uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo prefeito, Gilberto Kassab (DEM).

A lei havia sido aprovada pela Câmara Municipal –  ao derrubar um veto do prefeito a projeto do vereador Carlos Apolinário (DEM) – e publicada no último dia 16 no Diário Oficial. As novas regras impediam a denúncia anônima, exigindo que denunciante e denunciado estejam juntos no momento da medição do ruído. Determinava ainda que esta medição fosse feita dentro do imóvel do autor da queixa, e não mais no local de emissão do barulho. Além disso, reduzia a multa e ampliava o prazo para que os infratores corrigissem as irregularidades constatadas.

Com a suspensão da Lei 15.133, voltam valer as disposições anteriores para o Psiu, incluindo o instrumento da denúncia anônima, um ponto considerado vital pelas entidades da sociedade civil para que a lei possa ser aplicada na cidade.

Independentemente da decisão judicial, os vereadores de São Paulo, percebendo a reação negativa da sociedade às mudanças na “Lei do Psiu”, já estavam debatendo propostas que contemplam o restabelecimento de alguns pontos da legislação anterior. Até o líder do Democratas, Carlos Apolinário, autor do projeto que causou todo o problema, concorda com a ideia de rediscutir o assunto. 

Ele apresentou um novo texto, que é assinado por diversas lideranças da Casa, com este objetivo. “Na minha proposta volta a denúncia anônima e a medição do barulho será feita a dois metros do local que promove o ruído, seguindo a lei federal”, diz Apolinário.

Outro projeto de lei sobre o mesmo tema foi protocolado na Casa por Gilberto Natalini (PSDB). A proposta do parlamentar tucano resgata os pontos principais da legislação anterior e acrescenta, como passíveis de punição, os donos de automóveis que colocam o som muito alto nas ruas e esquinas.

Diversos vereadores consideram que a derrubada do veto do prefeito foi “um cochilo” da Câmara e querem consertar o erro. O vereador José Police Neto (PSDB), líder do governo municipal na Casa, informou que, paralelamente, à ação de inconstitucionalidade movida pelo Executivo contra a lei, os próprios parlamentares iriam tratar do tema. "Começamos a realizar um debate no Legislativo, com o objetivo de construirmos uma proposta que contemple alguns artigos da legislação anterior e, se possível, novos aperfeiçoamentos”, disse Police Neto, que havia votado contra as mudanças na lei.

A bancada do PT divulgou nota lembrando que foi contra a derrubada do veto do prefeito e defendendo um amplo debate entre as partes envolvidas. “Para que o sossego dos paulistanos permaneça assegurado e ao mesmo tempo não inviabilize atividades comerciais ou reuniões públicas em nossa cidade”, afirma o comunicado assinado pelo novo líder do partido, José Américo.

Entidades defendem instrumento da denúncia anônima e reivindicam melhor fiscalização

“Os vereadores deveriam fortalecer a ‘Lei do Psiu’ e não afrouxá-la”. A frase, dita pelo coordenador do Grupo de Trabalho (GT) Democracia Participativa do Movimento Nossa São Paulo, Maurício Piragino, resume o sentimento de muitas entidades da sociedade civil em relação às alterações que a Câmara Municipal provocou na lei que regulamenta o Programa de Silêncio Urbano (Psiu). As organizações defendem a continuidade da legislação anterior, incluindo a possibilidade da denúncia anônima, e reivindicam melhor fiscalização.

Para Piragino, o erro cometido pela maioria dos parlamentares – apenas a bancada do PT e o líder do governo, José Police Neto (PSDB), votaram contra a proposta de Apolinário – reflete o distanciamento entre a Câmara Municipal e os cidadãos. “Os vereadores deveriam dialogar mais com a sociedade”, sugere.

Mesmo reconhecendo que a legislação anterior não atendia ao cidadão como gostariam, as entidades criticam as mudanças. “O que a gente sente é que eles [os vereadores] conseguiram piorar uma lei que já não funcionava bem”, diz Cristina Antunes, diretora da Associação dos Moradores dos Jardins Petrópolis e dos Estados (Sajape). Ela entende que a nova lei promulgada pela Câmara – e que, agora, foi suspensa pela Justiça – deixaria “o reclamante mais vulnerável ainda”.

Além do retorno dos pontos retirados da lei, a diretora da Sajape defende que o Psiu tenha uma estrutura adequada para fiscalizar e punir os barulhentos. “O poder público tem que estruturar e equipar os órgãos de fiscalização, pois essa é uma das mazelas da cidade.” Cristina aponta que, por falta desta estrutura, o Psiu demorava a atender os reclamantes. “Você fazia uma reclamação e a fiscalização só vinha aparecer mais de um mês depois.”

Ela propõe ainda que a Prefeitura tenha uma ação mais ativa e permanente para inibir o excesso de barulho. “Nem precisava haver reclamação, pois independentemente de denúncia, se a fiscalização fizesse uma blitz em determinados lugares que todo mundo conhece, ia encontrar muitos locais que não respeitam a lei.” Como exemplo, Cristina citou alguns bares da região da Chácara Santo Antonio, na Zona Sul de São Paulo. “Isso aqui virou caso de policia”, lamentou.

Dinah Piotrowski, presidente da Associação dos Moradores e Comerciantes de Campos Elíseos, também não aceita a decisão dos vereadores, de mudar a “Lei do Psiu”. “Foi o fim da picada, um desserviço ao cidadão que precisa descansar e acordar cedo para trabalhar.” Ações como essas, segundo ela, afetam negativamente a imagem do Legislativo paulistano. “Mostram que as pessoas que estão nos representando não estão engajadas em defender os interesses dos cidadãos.”

Na visão de Dinah, os grandes beneficiados com a decisão dos parlamentares seriam as casas de shows, os bares e os barulhentos da cidade. “Não vamos nem falar nas igrejas”, cutuca a presidente da associação, fazendo uma referência ao fato de o vereador Carlos Apolinário – autor do projeto que mudou a lei – pertencer à bancada evangélica da Câmara.

O principal problema, para ela, era acabar com a possibilidade de uma pessoa denunciar um local que desrespeita a lei sem precisar se identificar. “Me Considero uma pessoa corajosa, mas, num país com tanta impunidade, você não sabe o que poderia lhe acontecer se denunciasse alguém sem a garantia do anonimato.”

Dinah confirmou que o Psiu não atende ao cidadão de forma adequada. “Tive em meu bairro bares que faziam um barulho terrível e, quando você reclamava, a fiscalização do Psiu informava que só poderia atender depois de 30 dias. Aí vinha em um horário em que não havia o barulho”, relata. Segundo ela, o serviço era falho e o reclamante tinha dificuldade para conseguir algum resultado. “Conseguimos fechar dois bares, depois de três anos de persistência”, exemplificou.

Outra representante da sociedade civil descontente com o posicionamento dos vereadores é Marcia Vairoletti, da Associação de Segurança e Cidadania do Morumbi e Butantã, que considerou a decisão da Câmara “uma coisa insana”. A denúncia, em sua opinião, tem que ser sigilosa porque as pessoas têm receio. “É absurdo e constrangedor confrontar o cidadão que está reclamando do barulho com o responsável pelo problema, durante a medição”, assinala.

Quanto à fiscalização, ela tem a mesma avaliação de outras associações. “Este é problema de toda a administração municipal.” Marcia acrescenta que a situação poderia melhor um pouco se na concessão de alvarás para o funcionamento de bares, restaurantes, casas de shows e igrejas houvesse maior rigor por parte da Prefeitura. “A gente observa que, muitas vezes, os licenciamentos são concedidos sem considerar esse aspecto [o barulho].”

REPORTAGEM: AIRTON GOES airton@isps.org.br

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