A “CPI das Enchentes” da Câmara Municipal perdeu o foco?


Vereadores da comissão, criada para investigar as causas das inundações em São Paulo, ficam mais de duas horas discutindo o asfalto da cidade

A Operação Tapa Buracos da Prefeitura tem alguma relação com as inundações e os alagamentos ocorridos nos últimos meses na cidade de São Paulo? Esta pergunta esteve no centro dos debates travados, por mais de duas horas, na reunião da “CPI das Enchentes”, ocorrida nesta quarta-feira (14/4), na Câmara Municipal paulistana. Na presença de representantes da Superintendência da Usina de Asfalto (SPUA), que haviam sido convocados para falar sobre o assunto, os vereadores da comissão divergiram sobre a necessidade de ouvir os depoentes.

O líder do governo municipal na Câmara, José Police Neto (PSDB), reclamou que a convocação e os questionamentos sobre a usina de asfalto estavam desviando a CPI de seu foco de investigação. “Quando a sociedade clamou para que apurássemos as razões das enchentes, em nenhum momento passou pela cabeça do cidadão que iríamos investigar a pavimentação e a Operação Tapa Buraco”, avaliou.

Segundo ele, a CPI não é o local adequado para tratar o tema asfalto, que poderia ser objeto de uma das comissões permanentes existentes na Casa. “Não me parece razoável que os 55 vereadores do Legislativo paulistano aprovem uma CPI para investigar enchentes e a gente fique duas horas discutindo tapa buraco”, lamentou o parlamentar.

As objeções de Police Neto sobre a forma como os trabalhos estavam sendo conduzidos irritaram o presidente da comissão, Adilson Amadeu (PTB). “O seu governo quer esconder o que está acontecendo na cidade, não quer que a gente investigue nada”, rebateu o vereador, que é integrante do Centrão (bloco político formado por cerca de 20 vereadores de diversos partidos).

Na tarefa de rebater as críticas do líder do governo à condução da investigação, Amadeu foi auxiliado por José Américo. “A qualidade do asfalto e a Operação Tapa Buraco tem sim a ver com a questão das enchentes”, reagiu Américo, que é líder da bancada do PT.

Coube ao vereador Alfredinho (PT), que está em seu primeiro mandato, interpretar o sentimento da maioria dos moradores da região do Pantanal, que lotavam o Auditório Prestes Maia para debater os problemas causados pelas enchentes nos bairros em que moram: “Temos que entrar na questão das enchentes, pois as pessoas estão aqui esperando há bastante tempo.”

A última tentativa de continuar discutindo o asfalto foi feita por Wadih Mutran (PP), com o argumento de que a Operação Tapa Buraco deixa resíduos nas ruas. “Se isso [os resíduos] entope as bocas-de-lobo e os bueiros, traz problemas para a cidade.”

Entretanto, não havia mais clima para retomar os depoimentos sobre a usina de asfalto. Antes de liberar os dois representantes da SPUA, porém, o presidente da CPI colocou em votação uma nova convocação dos depoentes para o próximo dia 5 de maio. A solicitação foi aprovada com o voto contrário do vereador Police Neto. “É impossível me manifestar favorável á convocação destes servidores para falar novamente da Operação Tapa Buraco”, registrou o líder do governo municipal na Casa.

Na saída da CPI, o superintendente da usina de asfalto, Eugênio Pavicic, e o supervisor de operação, Sérgio Antonio Alcala, foram questionados pela reportagem sobre a importância do comparecimento deles na comissão para esclarecer as razões das enchentes na capital paulista. Pavicic limitou-se a dar uma resposta protocolar e diplomática. “Procurei responder todas as perguntas dos vereadores e acredito que tenha sido útil.” Já Alcala, deixou claro sua posição: “A Operação Tapa Buraco não causa alagamentos. O que causa alagamentos é a falta de pavimentação. São os detritos e lixos que, infelizmente, muitas pessoas jogam nas ruas e vão parar nas bocas-de-lobo, bueiros e córregos”.

O supervisor explicou ainda que, mesmo que a Operação Tapa Buraco tivesse alguma relação com os alagamentos, não seriam eles, os representantes da usina de asfalto, os responsáveis. “Nós fabricamos o asfalto, mas quem contrata as empresas que fazem o serviço, acompanha e fiscaliza as obras são as subprefeituras”, afirmou Alcala.

Moradores da região do Pantanal reafirmam denúncias aos vereadores

Após mais de duas horas ouvindo a discussão sobre o asfalto, os moradores dos bairros da região do Pantanal puderam falar na “CPI das Enchentes”. Mais uma vez, eles reafirmaram denúncias contra a Prefeitura e o governo estadual entre as quais a de que a primeira inundação do local, ocorrida dia 8 de dezembro passado, foi causada pela operação das comportas do Alto Tietê e da Penha. “Enquanto uma abriu (as comportas), a outra fechou”, relatou Jorge Luiz Aguiar, morador da região.

Aguiar, que é diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema) e trabalha na Sabesp, criticou ainda o fato do esgoto continuar refluindo para as ruas e casas da região. “Se a Sabesp gastasse com o problema do esgoto o que gasta com publicidade, isso não estaria acontecendo [nos bairros do Pantanal].”

O gerente do Departamento Unidade de Negócios Leste da Sabesp, Marco Antonio Lopes, reconheceu que a situação do local “é crítica”, mas garantiu que a empresa está fazendo tudo que é possível para resolver o problema. Questionado pelos vereadores por que a Sabesp continua despejando esgotos sem tratamento nos córregos do Pantanal e de outras regiões da cidade, Lopes informou que a previsão da companhia é ter todo o esgoto da cidade tratado até 2018.

Os moradores do Pantanal reivindicam que a Prefeitura crie uma comissão, que inclua a Sabesp e o Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (DAEE), para dialogar com as lideranças locais uma saída definitiva para o problema. A solução, segundo eles, passa pela construção urgente de unidades habitacionais para as pessoas que terão que deixar o local, onde o estado pretende construir o Parque Linear da Várzea do Alto Tietê.

REPORTAGEM: AIRTON GOES airton@isps.org.br

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