Em 2009, parlamentares gastaram R$ 7,5 milhões de verba de gabinete para pagar prestadores de serviço que às vezes nem sede têm
Bruno Tavares, Diego Zanchetta e Rodrigo Burgarelli – O Estado de S.Paulo
Os 55 vereadores paulistanos gastaram R$ 7,5 milhões com despesas de gabinete em 2009 – de R$ 8,9 milhões disponíveis. Por se tratar de dinheiro público, os pagamentos têm de ser comprovados por nota fiscal. Mas a lei não estabelece critérios claros de contratação e a fiscalização é ineficiente. Resultado: a verba tem sido usada em alguns casos para pagar empresas que até existem no papel, mas não têm sede, telefone, site ou registro de trabalhos fora da Câmara.
A lei que garante R$ 14.800 mensais para cada parlamentar custear despesas de gabinete como correio e material de escritório foi aprovada há 3 anos. Mas, só em abril de 2009, o detalhamento dos gastos efetuados começou a ser divulgado no site da Câmara. Para traçar uma radiografia das despesas reembolsadas nos últimos dez meses, o Estado tabulou mais de 5 mil registros de pagamentos e visitou, aleatoriamente, mais de uma dezena de endereços.
Um deles foi o da Mineral Comunicação, Imagem e Produção. Contratada pelo vereador Netinho de Paula (PCdoB), a empresa está registrada na Receita Federal em um endereço fictício – o número 78 da Rua Guaxumã, na zona leste. Somados sete repasses mensais, a Mineral recebeu R$ 12.500. O mesmo endereço consta da nota fiscal exibida pela assessoria de Netinho. Não há no documento telefone, site ou e-mail. Em nota, o vereador afirmou que a empresa foi contratada para prestar serviço de assessoria de imprensa. "Desconheço qualquer irregularidade em relação à empresa."
Consultoria. Mesmo contando com R$ 84,4 mil por mês para empregar até 18 assessores diretos, os vereadores consumiram, entre abril de 2009 e fevereiro deste ano, R$ 488,6 mil com consultorias (técnicas ou jurídicas). O Instituto Rana Cuoree faz parte dessa lista. Recebeu da liderança do PSDB R$ 33.375 por consultoria prestada ao relator da CPI da Pedofilia, o líder tucano Carlos Alberto Bezerra Júnior.
Durante quatro dias, a reportagem tentou localizar o instituto e atividades desenvolvidas por ele. Na internet, não obteve referência, exceto na página de prestação de contas da Câmara. A lista telefônica também não traz número fixo em seu nome e, no endereço registrado no Fisco, funciona uma prestadora de serviços de limpeza.
"Nunca ouvi falar em Instituto Rana Cuoree", afirmou o dono da Guima Conseco, Carlos Alberto Guimarães. "Aqui era a casa da minha mãe e há mais de 20 anos funciona minha empresa. Vou acionar meus advogados para descobrir quem usou o meu endereço sem autorização."
Questionada, a presidente do instituto, Elizete Rossoni Miranda, asseverou que uma sala do imóvel já serviu como escritório da entidade, mas se recusou a descrever o local ou a ir com a reportagem ao endereço. Segundo ela, desde janeiro de 2009 o escritório da entidade funciona em uma sala de 12 m² alugada de uma entidade espírita por R$ 50 mensais. Elizete apresentou cópia do cadastro na Prefeitura no qual consta o novo endereço.
Apontado na ata de criação do Rana Cuoree como fundador, Givanildo Manoel da Silva reclama que até agora recebeu R$ 1.250 pelos seis meses de trabalho na CPI. O combinado, diz ele, era que o preço total do serviço fosse dividido entre os quatro consultores, sendo 20% a mais para a presidente do instituto, por ter sido a coordenadora. "Também quero saber onde foi parar o dinheiro", afirmou. Segundo ele, o único serviço prestado até hoje pela entidade foi a consultoria para o líder tucano.
O líder do PSDB diz desconhecer qualquer irregularidade em relação ao Rana Cuoree. "Os profissionais do instituto foram fundamentais na elaboração do relatório final da CPI. Sem eles, esse documento não teria se tornado referência sobre o tema." Em nota, diz ter pago os R$ 33.375 acertados com a entidade, conforme indica o site da Câmara. "Fiz contrato e recebi um ótimo serviço. Espero que você não coloque essa situação como as outras que você possa ter encontrado."
Site. O PT foi o campeão de gastos entre as 15 lideranças da Câmara – requisitou R$ 133,2 mil em reembolsos por serviços que variaram de diagramação de boletins eletrônicos à elaboração de pareceres técnicos no período de recesso. A KDesign, empresa de web contratada pela bancada, recebeu R$ 49 mil entre abril de 2009 e fevereiro de 2010. Durante esse período, segundo vereadores e assessores do partido ouvidos pelo Estado, a empresa deveria ter feito a página da liderança na internet. Mas o site esteve fora do ar em 2009 e só foi ativado em 9 de abril deste ano, depois que a assessoria da liderança tomou conhecimento desta reportagem.
O líder do PT em 2009, vereador João Antonio, negou que a empresa tivesse sido contratada para fazer o site. "Quem falou isso falou errado. A empresa foi contratada para fazer a diagramação dos boletins diários da liderança que são mandados por e-mail", justificou o petista.
2 RAZÕES PARA…
Fiscalizar gastos da Câmara
1. Vereadores usam dinheiro público e têm o dever de prestar contas sobre seus gastos aos cidadãos
2. As informações podem ser facilmente encontradas na seção "Prestação de Contas" do site da Câmara Municipal: www.camara.sp.gov.br
PARA LEMBRAR
A verba de gabinete foi restabelecida em agosto de 2007, no projeto em que foram resgatadas várias benesses extintas quatro anos antes, no escândalo de supersalários de comissionados. Apelidada de "trem da alegria" e com o nome oficial de "reforma administrativa", a proposta foi encabeçada pelo atual presidente da Casa, Antonio Carlos Rodrigues (PR). Só Arselino Tatto (PT) e Roberto Trípoli (PV) votaram contra.
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