“Justiça define futuro de bairros planejados” – Folha de S.Paulo

 

STJ analisa caso que põe em xeque respeito a regras estabelecidas por loteamentos, como limitar a construção de prédios

Resultado de julgamento sobre edifício levantado em desacordo com regras da City Lapa, zona oeste de SP, pode influenciar futuras decisões

RICARDO GALLO
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Está nas mãos do STJ (Superior Tribunal de Justiça) uma decisão que pode mudar o futuro dos bairros e loteamentos planejados em todo o país.

Em jogo, está o respeito ou não às regras criadas por particulares especificamente para esses lugares, como, por exemplo, limitar a altura de prédios ou proibi-los, independentemente das leis de zoneamento definidas pelo poder público.

O caso do STJ é o de um prédio de oito andares na City Lapa, zona oeste paulistana, onde a Companhia City implantou o conceito de "bairro-jardim", com ruas sinuosas, arborizadas e livre de grandes edifícios.

A associação de moradores e o movimento Defenda SP pedem a demolição do prédio, esqueleto embargado em 1996. A construtora CCK contesta.

Falta só o voto de um ministro para o tribunal decidir. Em março, o julgamento foi suspenso -estava empatado em dois a dois. A sentença deveria sair ainda em abril, mas, diz o STJ, não há um prazo definido.

Legislações

O edifício desrespeitou as regras do loteamento na City Lapa para se instalar, segundo os moradores. Legislação municipal determina que as regras dos loteamentos devam ser respeitadas desde que sejam mais restritivas que as municipais.

Embora haja essa restrição, construtoras muitas vezes conseguem alvarás da prefeitura, baseados no zoneamento municipal menos restritivo. Foi o que ocorreu em São Paulo: a CCK obteve o documento que autoriza a construção. Em 1999, o Tribunal de Justiça paulista acolheu o argumento pró-demolição. A construtora, então, recorreu ao STJ.

Agora, se a decisão for favorável à construtora, abre-se precedente para modificar as regras de loteamentos antigos semelhantes, o Pacaembu, os Jardins América e Europa e o Alto de Pinheiros, todos em áreas nobres de São Paulo -a City Lapa não será afetada pois foi tombada, em 2009, pelo conselho do patrimônio municipal.

A mudança "implicaria a desconstituição de todas as restrições urbanístico-ambientais no Brasil, em especial no município de São Paulo, abrindo à especulação imobiliária ilhas verdes da cidade", disse o ministro Herman Benjamin, relator do caso e responsável por um dos votos pró-demolição.

Defesa

Eliana Calmon, que votou a favor da construtora, argumenta haver legitimidade no alvará.
"A obra chegou à oitava laje com alvará da prefeitura. Esse tipo de construção era possível na região", afirmou o advogado Ruy Carlos de Barros Monteiro, que defende a CCK. "O argumento do precedente é o único que sobra para eles, porque juridicamente não há como sustentar essa demolição", disse.

 

Mercado faz o que quer, diz especialista

DA REPORTAGEM LOCAL

Coordenador do Laboratório de Habitação da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP (Universidade de São Paulo), João Sette Whitaker afirma que o que deve prevalecer na capital paulista é a lei do zoneamento do município e que "o grande desastre urbano no Brasil é a liberalidade absoluta da produção do espaço das cidades".
"O mercado imobiliário faz o que quer, sempre fez. Trabalha para a constante verticalização e, com isso, destrói a cidade", afirma Whitaker, que acredita que a liberação do gabarito dos prédios em São Paulo seria desastrosa do ponto de vista urbanístico.
Diretor da FAU, o urbanista Sylvio Sawaya acredita que romper o tombamento desses bairros loteados pelo interesse privado em São Paulo abriria um precedente.
"Deviam demolir de uma vez, embargar não adianta nada. A legislação é muito permissiva. Tem bairros que as ruas não comportam verticalizar", diz Sawaya.
(VQG)

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