Audiências públicas esvaziadas cumprem apenas formalidades na Câmara

 


Foto: Airton Goes

 

Sem a participação da sociedade e dos próprios vereadores que assinam os projetos de lei em pauta, eventos duram poucos minutos e temas não são debatidos

Às 12h04min, o presidente da comissão, José Ferreira, o Zelão (PT), abre a audiência pública destinada a debater três projetos de lei que afetam o cotidiano da população da cidade. Um deles é o que prevê multa para quem estacionar em vagas especiais destinadas às pessoas com deficiência e aos idosos (PL 258/09). No enorme Salão Nobre há apenas quatro pessoas, três das quais são assessores. Os enunciados das matérias em pauta são lidos e uma assessora do vereador Quito Formiga (PR) explica, em um minuto, o que levou o parlamentar a propor a criação de um sistema de informações sobre violências nas escolas da rede municipal de ensino (PL 355/09). Os outros dois projetos – o relacionado às vagas especiais em estacionamentos e o que estabelece diretrizes para a política municipal de controle de vetores e pragas urbanas (PL 467/09) – nem são explicados. Sem a presença dos três parlamentares que apresentaram os projetos – Ricardo Teixeira (PSDB) e Ushitaro Kamia (DEM), além de Formiga – e nenhum questionamento ou sugestão, Zelão encerra a audiência pública às 12h12min, ou seja, oito minutos depois de iniciada.

O relato se refere à audiência ocorrida nesta quarta-feira (19/5), na Comissão de Saúde da Câmara Municipal de São Paulo, mas, com pequenas modificações, poderia ser de muitas outras realizadas na Casa. Coincidentemente, no mesmo dia e horário (às 12 horas) a Comissão de Política Urbana realizou outra audiência pública para debater mais 10 projetos de lei. Como a quantidade de itens na pauta era maior, o evento foi encerrado às 12h30. Lá também não houve participação da sociedade e nenhum dos parlamentares que assinam os projetos compareceram – Goulart (PMDB), Paulo Frange (PTB), Adolfo Quintas (PSDB), Mara Gabrilli (PSDB), Arselino Tatto (PT) e Adilson Amadeu (PTB). Goulart, que é autor de cinco das matérias, foi representado por uma assessora que deu rápidas informações sobre as propostas. Quanto aos outros cinco projetos, nada foi acrescentado, além da leitura dos enunciados.

Após as duas audiências, alguns vereadores que participam das comissões tentaram explicar o que acontece com as audiências públicas na Câmara. “Nós divulgamos na imprensa e o interesse [em participar] é de cada um”, argumentou Zelão. Segundo ele, nem sempre as audiências da Comissão de Saúde são esvaziadas. “Dependendo do assunto em pauta, vem o vereador [autor do projeto] e as pessoas interessadas.”

Sandra Tadeu (DEM) relatou que na semana anterior “várias entidades estiveram na comissão para debater e apresentar sugestões sobre um projeto relacionado aos autistas”. Questionada se o autor da proposta compareceu para dialogar com os participantes, ela respondeu: “O vereador Antonio Carlos Rodrigues [presidente da Câmara] não veio, mandou assessor, mas eu sou a relatora do projeto e conversei com ele. Já estamos preparando um substitutivo contemplando as sugestões apresentadas pela sociedade”.

Na opinião de Milton Ferreira (PPS), os vereadores dão mais importância às reuniões da Comissão de Constituição e Justiça do que às audiências públicas. “Eu, mesmo, se tiver um projeto meu na CCJ, compareço para, se for necessário, explicar e defender a proposta”, justificou Ferreira. “Se não passar na CCJ, o projeto não pode tramitar na Casa. É lá que tudo começa”, apoiou Sandra Tadeu. Os três parlamentares, juntamente com Jamil Murad (PCdoB), foram os integrantes da Comissão de Saúde que participaram da audiência desta quarta-feira.

Na Comissão de Política Urbana só estavam o presidente, Domingos Dissei (DEM), e Toninho Paiva (PR). “As audiências públicas são obrigatórias. Agora, se o povo não vem, o que a gente pode fazer?”, questiona Dissei. Ele destaca que a audiência foi divulgada nos jornais Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo, além do Diário Oficial do Município. De acordo com o Regimento Interno da Câmara todos os projetos de interesse da cidade têm que passar, no mínimo, por duas audiências públicas.

Indagado se eventos, como o de quarta-feira, cumprem o objetivo de servir para debater os projetos e levantar sugestões, o presidente da comissão alega: “Não sei se cumprem ou não, mas todos os assessores dos parlamentares envolvidos com os projetos comparecem e tomam conhecimento de tudo”.

Paiva lembra que antes, quando foi presidente da comissão, era obrigatória a presença do vereador que assina o projeto ou de um assessor para explicar a proposta. “Se não houvesse nenhum dos dois, eu adiava a audiência sobre aquela proposta.” Ele também considera que a presença da sociedade civil e dos parlamentares depende do assunto em pauta. “Se for algo que aperte o calo das pessoas, elas comparecem.”

Um dos autores dos projetos pautados na audiência da Comissão de Saúde, o vereador Ricardo Teixeira (PSDB), avalia que o ideal era as entidades participarem destes eventos na Câmara. "O texto é aprovado aqui, o prefeito sanciona e depois vão dizer que a lei não pega. Não pega por que a sociedade não discutiu." Lembrado de que, se as entidades tivessem comparecido para questionar e apresentar sugestões ao seu projeto, ele não estaria lá, Teixeira procurou justificar-se. "Não pude ir, mas não haveria problema, pois tinham assessores meus na audiência. Eles colheriam as contribuições da sociedade."      

REPORTAGEM: AIRTON GOES airton@isps.org.br

Outras Notícias da Câmara

Compartilhe este artigo