Entidades se posicionam contra projetos sobre creche em tramitação na Câmara Municipal

 

Propostas de lei não resolvem o problema da falta de vagas e transferem a responsabilidade do poder público para a iniciativa privada e as mães, avaliam organizações de mulheres e que atuam na educação infantil

Airton Goes airton@isps.org.br

Diversos projetos de lei que atualmente tramitam na Câmara Municipal de São Paulo tratam o problema do déficit de vagas para crianças em creches da cidade de forma equivocada. Esta é a avaliação de entidades de mulheres que atuam na área da educação infantil. Duas destas propostas, que na visão das organizações não resolvem a situação e, ainda, transferem a responsabilidade do poder público para a iniciativa privada e as mães, estiveram em pauta na Comissão de Educação do Legislativo paulistano na semana passada.

A primeira, que prevê o pagamento mensal pela Prefeitura de meio salário mínimo às mães, como auxílio-creche por criança que não conseguir vaga nos equipamentos da administração direta ou conveniados, foi um dos temas da audiência pública realizada pela comissão na quarta-feira (23/6). O Projeto de Lei (PL) 108/09, de autoria do vereador Arselino Tatto (PT), que já havia sido questionado pelas entidades em outros momentos, voltou a ser criticado por pessoas que compareceram ao debate.

Maria Amélia de Almeida Teles, da União de Mulheres de São Paulo, afirmou que o “Programa de Auxílio-Creche” proposto no projeto não resolve o problema das vagas nas creches. Ela avalia que o dinheiro entregue pela Prefeitura à mãe poderá ser utilizado para o pagamento de alguém que tome conta do filho ou de um lugar qualquer para deixar a criança, o que contraria a concepção de educação infantil. “Tivemos dois desafios no final dos anos 70: a resistência das autoridades em construir creches e o preconceito da própria população em relação à palavra ‘creche’, que era vista como um orfanato, um depósito de crianças”, relembrou a militante histórica do movimento de mulheres, que completou: “Somos contrárias a este PL, porque ele não atende ao princípio de que a creche tem que ser um espaço de socialização de crianças”.

Samantha Neves, integrante do Grupo de Trabalho Educação do Movimento Nossa São Paulo, e Cisele Ortiz, do Avisalá e também do GT, reforçaram os argumentos das organizações contrárias à proposta. Samantha, inclusive, distribuiu aos vereadores da comissão uma nota das entidades sobre o PL 108/09.

O documento considera o projeto inadequado, embora reconheça como louvável a preocupação da Câmara Municipal com o “grave problema da baixa cobertura do atendimento à Educação Infantil em São Paulo”.  E reitera o posicionamento de diversos fóruns e movimentos, de crítica a medidas paliativas que visam responsabilizar as mulheres pelo cuidado e educação de seus filhos pequenos. “Propostas como essa, em vez de fortalecer as famílias, fortalecerão os programas de guarda domiciliar e escolas particulares de baixa qualidade”, diz o texto. 

O presidente da comissão, vereador Claudinho (PSDB), concordou com as representantes da sociedade civil. “A necessidade da creche não pode ser substituída por uma bolsa, por dinheiro.” Na opinião do parlamentar, em vez de criar esse tipo de bonificação, a Câmara deveria trabalhar para que o poder público criasse as vagas necessárias em creches da administração direta ou conveniadas.

O vereador Arselino Tatto, autor do projeto, não compareceu ao debate nem enviou representante para defender a proposta, exatamente como procede a maioria dos vereadores em eventos como este.

Críticas da sociedade civil não impedem que comissão aprove outro PL questionado

Após a audiência pública, a comissão realizou sua reunião semanal, onde analisou e votou alguns projetos de lei. Um deles era o PL 77/09, do vereador Adilson Amadeu, que também trata da questão das creches em São Paulo e sobre o qual as entidades da sociedade civil também têm várias restrições.

O texto de Amadeu prevê a instalação de creches em condomínios residenciais que possuam, no mínimo, 90 moradias e disponibilizem ao poder público o espaço adequado para o funcionamento do equipamento. Caberia á administração municipal fornecer gratuitamente os equipamentos e funcionários necessários para a instalação e o funcionamento da creche domiciliar no condomínio, de forma direta ou mediante convênio ou parceria.

Outro artigo do projeto autoriza a Prefeitura a conceder incentivos fiscais para novos empreendimentos imobiliários que contemplem no projeto e na construção os espaços específicos para a instalação das creches.

A proposta acabou sendo aprovada por quatro votos – Celso Jatene (PTB), Alfredinho (PT), Jooji Hato (PMDB) e José Olimpio (PP) – a três – Claudio Fonseca (PPS), Claudinho (PSDB) e Marco Aurélio Cunha (DEM).

Nas reuniões ordinárias das comissões da Câmara Municipal a população não tem direito a voz, entretanto, a posição das organizações contrária ao PL 77/09 já havia sido expressa em outra audiência pública, ocorrida no início de março.  “O projeto é mais um daqueles que propõem responsabilizar a iniciativa privada, com fins lucrativos, ou as mães pelo atendimento das crianças”, avaliou Samantha Neves, na ocasião. Outra crítica da integrante do Movimento é que a proposta deveria especificar apenas os conjuntos habitacionais populares. 

Ela sugeriu que o artigo 7º (que cria incentivos fiscais para novos empreendimentos imobiliários que contemplem espaço destinado à creche) fosse suprimido, pois entende que a proposta poderia beneficiar proprietários de moradia de alto luxo, que não precisam do equipamento público.

Leia também Projeto prevê instalação de creches em condomínios residenciais

Outras Notícias da Câmara

Compartilhe este artigo