Sergio Adeodato, para o Valor, de São Paulo
Após a polêmica que envolveu, há dois anos, o não cumprimento de uma determinação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a Petrobras está investindo R$ 6 bilhões para lançar o diesel com teor reduzido de enxofre, um dos poluentes atmosféricos mais preocupantes nas cidades por causar doenças. A meta é diminuir a concentração da substância tóxica para 10 partes por milhão (ppm), com prazo para o produto entrar no mercado até o começo de 2013, quando os veículos pesados, como caminhões e ônibus, começarão obrigatoriamente a sair de fábrica com motores preparados para o novo combustível. "Em consequência do atraso, o país perdeu a chance de estar entre os países que conseguiram reduzir significativamente a poluição urbana", diz Rudolf de Noronha, coordenador de política de qualidade do ar do Ministério do Meio Ambiente.
Pela norma do Conama, a Petrobras estava inicialmente obrigada a diminuir o enxofre no diesel metropolitano de 2000 para 50 ppm até janeiro de 2009, atendendo às metas do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve). Mas o investimento foi postergado, em parte porque a Associação Nacional do Petróleo (ANP) tinha que determinar a nova especificação do combustível com o mínimo de três anos de antecedência, em janeiro de 2006, o que só aconteceu em 2008. Noronha lembra que, em consequência do problema, "pela primeira vez desde que foi criado, em 1986, o Proconve teve uma meta descumprida".
Após ampla repercussão sem que o governo federal conseguisse resolver o embate, o caso chegou ao Ministério Público, onde foi fechado um acordo que estabeleceu um novo prazo, com uma redução maior do enxofre, para 10 ppm, nível internacional considerado limpo. Pelo acordo, até o lançamento desse diesel, a Petrobras se comprometeu a colocar em algumas praças o produto com 50 ppm, como já ocorre em São Paulo, Recife, Fortaleza e Belém. "Apesar da melhora, o resultado contra a poluição não é eficiente, porque os caminhões ainda não começaram a ser fabricados com as mudanças no motor", diz Noronha.
Ele afirma que no passado a qualidade do diesel brasileiro chegou ao patamar crítico de 4.000 ppm e que os impactos só não foram piores, porque todas as regiões metropolitanas começaram a receber o combustível com 500 ppm. Como resultado da redução e do melhor controle de emissões pelos motores, números do Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores, divulgados este ano, indicam que a poluição por enxofre diminui três vezes entre 2000 e 2004.
O diesel sujo é o maior vilão da poluição nas cidades. "Sozinho, sem contar os demais poluentes, causará 25 mil mortes na capital paulista até 2030, se nada mudar na sua qualidade", diz o pesquisador Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP, especialista em impactos da poluição à saúde, consultado pelo Ministério Público no caso da Petrobras. "O investimento para diminuir as emissões do diesel proporcionará uma economia oito vezes maior com a redução de seus impactos, dinheiro suficiente para renovar a frota de caminhões e melhorar a qualidade do combustível."
No Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da USP, coordenado por Saldiva, os pesquisadores calcularam que o custo da sujeira lançada no ar de São Paulo – incluindo enxofre e demais gases – gira em torno de US$ 1 bilhão por ano. A conta leva em consideração os gastos com internações hospitalares e os prejuízos que resultam dos dias perdidos de trabalho e das mortes. Para o Brasil, ao considerar as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba e Recife, o impacto financeiro supera o dobro do paulistano.
"Calculamos as perdas em dinheiro, porque as autoridades não se impressionam apenas com as filas nos hospitais e com as mortes", diz Saldiva. Em São Paulo, a poluição causa uma média de 19 mortes por dia. Em 2009 o número de mortes atingiu 7 mil – uma perda silenciosa, "uma conta que precisa fazer parte das planilhas econômicas para decidir investimentos".