“Rodízio completa 15 anos com efeito quase nulo sobre ar de SP” – Folha de S. Paulo

 

Medida foi criada em 1995 para tirar carros das ruas e baixar poluição

EDUARDO GERAQUE
DE SÃO PAULO

Na semana em que São Paulo registra um de seus piores índices de secura e má qualidade do ar, o rodízio de veículos completa 15 anos.

A medida foi criada em 1995 justamente para lidar com a poluição. Sob esse ponto de vista, porém, sua eficácia hoje é quase nula.

Após dois anos de testes, ele seria repaginado. Em 1997, o objetivo central da ação passou a ser o aumento da fluidez do tráfego.

A operação, pelos números atuais, não faz direito nem uma coisa nem outra.
Os índices de poluição, principalmente por ozônio e poeira, estão mais ou menos estabilizados, mas em níveis altos, indicam os registros.

O trânsito, principal alvo do rodízio em vigor, continua cada vez mais travado, por causa do aumento da frota.

"O rodízio por si só e da forma como ocorre na cidade não é solução nem para a qualidade do ar nem para a mobilidade", diz a pesquisadora Leila Martins, especialista em poluição do ar. A pesquisadora lembra que a legislação brasileira é muito permissiva se comparada, por exemplo, com a da União Europeia e a dos EUA.

Para outra estudiosa do assunto, Maria de Fátima Andrade, da USP, quantificar o impacto do rodízio na poluição não é uma tarefa fácil. "A operação deve contribuir pouco para baixar os poluentes. Mas sua existência não deixa ainda de ser positiva", afirma Maria de Fátima.

Alfredo Szwarc, que dirigia a Cetesb (agência ambiental estadual) em 1995, diz que a experiência foi positiva 15 anos atrás. "Baixou os níveis de monóxido de carbono na atmosfera, que era o problema da época", afirma.

O fato de o rodízio ter mudado de meta altera as consequências da operação, diz o ex-diretor da Cetesb.

ULTRAPASSADO

Em 1995 e 1996, a restrição durava o dia inteiro e não apenas três horas no pico da manhã e outras três à tarde.
"Atualmente, no máximo, o rodízio evita que o problema piore [em termos de poluição do ar]", diz Szwarc.
No quesito redução do trânsito, diz o consultor, o rodízio "está ultrapassado".

Na semana passada, especialistas voltaram a pedir a extensão do rodízio, novamente, por motivos ambientais. O governo do Estado chegou a recomendar oficialmente que os paulistanos deixassem o carro em casa.
 
DEPOIMENTO

A dependência do carro e a dependência do cigarro

CONRADO CORSALETTE
EDITOR-ASSISTENTE DE COTIDIANO

Chegar a São Paulo trazendo na bagagem um prontuário médico que aponta bronquite crônica somado ao vício do cigarro foi como levar um murro no peito já castigado há tempos pela falta de ar.

Lá no ano de 1996, alguns testes com o rodízio já indicavam que, sim, era perfeitamente possível deixar o carro em casa uma vez por semana em troca de uma leve melhora na qualidade de vida.

Nessa década e meia tive de me adaptar ao humor climático da grande metrópole.

Inalar cortisona todo o dia, frequentar hospital vez ou outra e evitar abrir o segundo maço foram remediações inevitáveis. Uma mudança de hábito inusitada, porém, me faz muito mais bem.

Dois anos atrás, meu carro sumiu da rua onde eu o estacionava. Decidi ficar sem.

Tive orgulho de dizer que não colaborava com o caos do trânsito. E que a fumaça dos meus cigarros, praticamente banidos dos locais públicos um ano depois, era nada perto do dano ambiental de um veículo em circulação.

Apesar de certo conforto ideológico, eu tenho certeza de que uma hora dessas vou ser obrigado a tomar uma decisão radical para continuar vivo (é o fumo, estúpido!).

A cidade é mais tolerante que meu corpo e meus ideais. Vem aguentando os milhões de carros novos jogados na rua a cada ano. Vem aguentando a falta de mobilidade e o excesso de gás carbônico.

Só me pergunto daqui, deste sufoco particular: até quando um umidificador no quarto e um vidro preto fechado sobre quatro rodas que transportam quase sempre uma só pessoa serão suficientes para remediar essa loucura asmática coletiva?

 

Compartilhe este artigo