ENTREVISTA. Problema é quando as autoridades são de partidos diferentes e o interesse político fala mais alto
Rodrigo Brancatelli – O Estado de S.Paulo
Há 15 anos capitaneando os projetos de desenvolvimento urbano da Organização das Nações Unidas (ONU), o arquiteto brasileiro Jonas Rabinovitch nunca entendeu direito o interesse das pessoas por prédios neoclássicos, pontes estaiadas, obras faraônicas. Para ele, a arquitetura não deveria ser só bonita, vistosa, mas sim eficaz, um conjunto de linhas e curvas que simplesmente tente trazer um pouco mais de qualidade de vida ao dia a dia dos moradores.
Rabinovitch já trabalhou em projetos de urbanização de favelas de Bangladesh, visitou favelas no Quênia e áreas devastadas em Mianmar, esteve nas Maldivas logo após o tsunami que arrasou a região, viajou para o Timor Leste quando ainda se sentia o cheiro de cinzas no ar e participou da revitalização de Cabul depois da guerra. Também esteve à frente de projetos em grandes cidades de Japão, Israel, Estados Unidos e Europa. Como ponto comum, viu que as metrópoles dividem de uma forma ou outra os mesmos problemas, entraves, desafios e os mesmíssimos questionamentos.
"Em minha experiência, desemprego, saneamento e transporte continuam sendo os três maiores problemas comuns em todas as metrópoles que visitei", diz. "Em Bangcoc, por exemplo, o trânsito tem os mesmos gargalos que São Paulo, as ruas também não têm capacidade para todo esse boom imobiliário, não há vinculação entre o uso do solo e o sistema viário. Apesar das diferenças sociais, culturais e políticas, os problemas urbanos continuam parecidos em todo o mundo. De seu escritório em Nova York, Rabinovitch conversou com o Estado e apontou que a adoção de autoridades metropolitanas é imprescindível para casar desenvolvimento de megalópoles com melhora na qualidade de vida dos moradores.
Por que o urbanismo das cidades brasileiras é tão pouco discutido pelos governantes?
Bem, isso é um erro. O crescimento das cidades brasileiras foi tão inesperado que acabou desafiando os próprios parâmetros de planejamento que tínhamos. Belo Horizonte, por exemplo, foi uma cidade planejada, mas em 1901, antes da massificação do carro. O planejamento acabou obsoleto. Brasília foi planejada para 500 mil habitantes, mas isso quando se pensava Brasília como capital administrativa do País, sem se pensar no crescimento das periferias. O desafio básico é entender que há questões que pedem que se enxergue a cidade como um bem comum. Juridicamente, por exemplo, o prefeito cuida do seu município, mas os problemas ultrapassam os limites territoriais. Discutir certos problemas que afetam a cidade puramente por uma perspectiva político-partidária seria uma abordagem muito anacrônica. Até hoje, os orçamentos são distribuídos por uma perspectiva político-partidária. Isso é um erro histórico.
Na Região Metropolitana de São Paulo, os 39 municípios não têm políticas públicas conjuntas para áreas como transporte e coleta de lixo. Isso se repete em outras regiões metropolitanas do País, como Rio e Brasília. A figura da autoridade metropolitana seria a resposta ideal para esses problemas que ultrapassam os limites das cidades?
Sim, essa ideia já é madura em outros países. Tóquio, por exemplo, que tem a maior região metropolitana do mundo, tem um superprefeito, uma autoridade com competência para administrar toda a área metropolitana. Londres também tem uma instituição, com orçamento próprio, que cuida das 32 microrregiões que compõem sua área metropolitana. Em Londres, a figura do prefeito é quase simbólica – quem realmente decide questões administrativas é a autoridade metropolitana. Esse é o caminho para discutir problemas de metrópoles, como transporte público, lixo, esgoto, tudo o que extrapola os limites das cidades. Mas no Brasil é difícil discutir problemas urbanos porque o presidente é de um partido, o governador é de outro, o prefeito é de outro e aí o interesse político fala mais alto. Os desafios que um município tem não podem ser enfrentados apenas com o arrecadamento local, todos os níveis precisam estar dispostos a colaborar.
Qual o caminho para o político brasileiro pensar em uma gestão metropolitana?
No Brasil já se tentou implementar regiões metropolitanas, mas é difícil fazer o prefeito entender isso. Houve no Rio e em Curitiba a experiência das regiões metropolitanas, com uma instituição tentando coordenar as ações – o transporte, por exemplo. Mas, como essas regiões não tinham um orçamento próprio, a autoridade metropolitana ficava em um limbo, espremido entre o governo estadual e a prefeitura, tendo de negociar apoio de um e de outros. É impossível gerenciar administração pública sem um orçamento. Talvez seja preciso rever a Constituição. As regiões metropolitanas ainda não vingaram, não existe a figura do administrador metropolitano. Continuamos com o governador e o prefeito sendo as principais figuras para gerir as cidades, e às vezes a mentalidade política faz com que não haja uma cooperação entre eles. Se o sistema institucional continua igual, se os orçamentos continuam separados, a tendência é continuar como está. O prefeito vê seu orçamento, vê seu eleitorado, e não pensa em buscar essa coordenação.
As obras estruturais para a Copa 2014 e a Olimpíada 2016 são apontadas por especialistas como uma oportunidade de repensar as metrópoles brasileiras. Como fazer para que fique um legado para as cidades?
É importante ter uma visão estratégica para que os benefícios não se limitem apenas aos eventos. Relembrando outras sedes de Copa do Mundo ou olimpíada, há cidades que foram bem sucedidas e outras que só tiveram prejuízo. Barcelona é um bom exemplo, fez diversos investimentos sustentáveis, os alojamentos criados para os atletas foram depois vendidos como unidades habitacionais, a malha urbana foi integrada de forma inteligente. É importante acima de tudo ter planejamento e transparência no processo para que os benefícios sejam permanentes e criem de fato um legado. Além disso, é preciso coordenação entre as várias instituições envolvidas. Não se pode pensar só em obras visíveis, a questão do transporte é importante, a infraestrutura de lazer é importante, até mesmo a questão do saneamento, que é invisível, fica abaixo do chão, é importante. Com planejamento e com transparência para evitar a corrupção, as cidades poderão melhorar sua infraestrutura com os dois eventos.