“As cidades têm solução?” – Mercado Ético

 

Danuza Facco Mattiazzi, do Portal Vida Orgânica

Estamos distantes da natureza e cegos, confiamos excessivamente na ciência e acreditamos que a tecnologia pode resolver todos os problemas que as cidades enfrentam hoje. Esse é o diagnóstico do professor Rualdo Menegat, geólogo e doutor em Ecologia de Paisagem, sobre a sociedade atual. Ele propõe algumas mudanças que podem soar estranhas, como a instalação de chiqueiros nas cidades e a manutenção dos carroceiros. O ideal consiste na integração com o ambiente natural e a manutenção das diferentes culturas, no caminho inverso da homogeneização e urbanização em um “xadrez perfeito”.

A temática ambiental ficou popular recentemente no Hemisfério Sul. Na década de 90, países do Hemisfério Norte já sofriam com catástrofes ambientais agravadas pelo aquecimento global já anunciado pelos cientistas. No Hemisfério Sul, Menegat diz que a atenção às mudanças climáticas começou no início do século 21, especialmente com o ciclone Catarina, que atingiu os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul em março de 2004. O fenômeno vitimou e feriu dezenas de habitantes, destruiu casas e causou prejuízos à agricultura.

Foi o mais importante evento climático da década, pois de fato mostrou algo em ação no clima da Terra para o Hemisfério Sul – esclarece o doutor.

Ao citar eventos ambientais do último ano – como fortes nevascas na Inglaterra, deslizamentos de terra em Santa Catarina e inundações pelo Brasil – o pesquisador defende que a população esquece muito rápido dos desastres. “Os humanos não estão sabendo ter a leitura do mundo em que vivem. Não conseguem mais interpretar a paisagem”, diz ele, ao mostrar uma foto em que mãe e filho caminham indiferentes aos destroços de uma cidade destruída por enchentes.

Outra imagem que ilustra a falta de compreensão da sociedade sobre os desastres ambientais é a foto de dezenas de pessoas sendo alcançadas pelo tsunami que atingiu a ilha de Sumatra, na Indonésia, vitimando 230 mil pessoas em dezembro de 2004. Segundo Menegat, muitas pessoas assistiram à invasão da onda gigante até o momento em que foram engolidas pela força da água. “Tiravam fotos, gravavam. Achavam que não seriam atingidas? As pessoas não têm consciência da força da natureza. O tsunami de Sumatra é o signo da cegueira da atual civilização perante a natureza”.

Natureza e cultura

Menegat discute a relação entre a natureza e a cultura dos povos, ou seja, de que forma a humanidade se insere no meio natural. Com a construção das cidades, foram criados grandes centros urbanos que limitam a visão de mundo de seus habitantes. “Quem mora aqui dentro [em referência a uma grande cidade], está enclausurado, encapsulado por esses centros urbanos. A cidade não oferece ao cidadão informações fundamentais para que ele olhe a paisagem e a leia”.
As metrópoles já evoluíram para mega-cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. E, para que consigamos viver sem o caos do ritmo acelerado e da poluição nesses espaços, o doutor diz que é necessário tornarmos as cidades mais sustentáveis e buscarmos o contato com o meio natural e o respeito aos limites que a natureza impõe.
Para exemplificar a idéia, ele cita o problema enfrentado pela cidade de Arequipa, no Peru. Com 850 mil habitantes, a cidade se expandiu até a saia de um vulcão. O prefeito pediu a ajuda de Menegat para solucionar o problema. “A ciência pode desenvolver uma enorme rolha e tapar o vulcão, que tal?”, brinca o cientista. A colocação irônica ilustra a maneira com que os seres humanos confiam na ciência. Ocupam territórios propensos à ocorrência de acidentes ambientais sem se preocupar com os riscos e, assim, se prevenir.
Mas, depois, querem que a tecnologia solucione a questão. “Nosso problema não é o vulcão, e sim, a cidade. É o peso urbano sobre nós, é a cidade que nos pesa, não a natureza”. Por isso, a resposta do cientista ao governante peruano foi a sugestão de reunir as comunidades, esclarecer sobre os riscos de se morar próximo a um vulcão que pode entrar em erupção a qualquer momento e desenvolver estratégias segundo a cultura local e consenso da população.

Presos no xadrez urbano

Um dos principais problemas das megalópoles, segundo Menegat, é a geometria urbana. A imposição do desenho de um “xadrez perfeito” para as cidades compromete a integração com o ambiente natural. O modelo predominante desde a era das colonizações pôs fim ao ideal de cidade ecológica – posto em prática na cidade Ur, da antiga Mesopotâmia. Ur foi construída segundo o curso do rio Eufrates, respeitando o caminho da água e tentando somente proteger os habitantes das enchentes.

Com o estabelecimento do modelo de tabuleiro, não se pensou mais na natureza. “Segundo o ‘xadrez perfeito’, o rio não pertence à geometria da cidade. Ele só atrapalha. Aí todo mundo larga o lixo ali, já que aquilo não pertence ao tabuleiro urbano perfeito. O mesmo acontece com algum morro que impede a linha reta das ruas. O que fazer? Destruir o morro. Nada pode atrapalhar a geometria urbana”, aponta o pesquisador.

Menegat – que realiza um trabalho voluntário de educação ambiental com crianças do Morro da Cruz, em Porto Alegre – defende ações locais para inclusão de atitudes ecológicas e ampliação da visão de mundo das pessoas. A proposta é unir cientistas, estudantes, políticos e habitantes das comunidades para discutir soluções inteligentes e que respeitem a cultura de cada grupo.

Chiqueiros urbanos

Uma das alternativas para uma cidade sustentável é a criação de animais no meio urbano. Menegat defende que chiqueiros e aviários podem contribuir com o metabolismo das cidades – ao consumirem os restos de comida da população – e gerar renda a famílias que sofrem com o desemprego.

Outra proposta de Menegat é a manutenção das favelas. “Temos que criar condições de vida nesses locais e não removê-los”, defende ele, ao dizer que os moradores de áreas pobres construíram uma sociedade organizada segundo seus padrões culturais, só precisam de saneamento, segurança e boas escolas para que vivam com qualidade. “Remover um grupo de catadores de materiais recicláveis, por exemplo, e colocá-los em apartamentos é um grande erro. Eles precisam de casas, um galpão onde possam guardar os materiais que recolhem e um estábulo para cuidar dos cavalos que puxam suas carroças”. A retirada dos carroceiros das ruas de Porto Alegre – ação que deve ser concluída pela prefeitura até 2011 – é condenada pelo cientista. “Essas pessoas, excluídas do mercado de trabalho, criaram uma profissão por elas mesmas. E, agora, vamos tirar isso delas?”.

Menegat defende que os catadores precisam de uma política pública que respeite o ritmo de trabalho que construíram, sem retirar deles o que têm de mais genuíno, uma profissão que criaram segundo a sua cultura e suas necessidades. Assim, em vez de alterar a rotina desses trabalhadores, o ideal é oferecer melhores condições de trabalho. Uma alternativa pode ser a doação de carroças elétricas aos catadores, já em funcionamento em Curitiba, no Paraná.

Tanto o desenvolvimento urbano, quanto a correção das “imperfeições do tabuleiro” devem, acima de tudo, respeitar a cultura de cada grupo e os limites impostos pelo ambiente natural. O ideal brasileiro de cidades melhores, por exemplo, precisa considerar as particularidades sociais do país. “Não somos a Europa e nunca seremos. Temos que lidar com os nossos problemas”, avalia o geólogo.

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