Carros e conta de luz têm, respectivamente, 60% e 50% de impostos, para incentivar bicicletas e evitar desperdício
Para especialista, esse modelo não funcionaria no Brasil porque os mais pobres não teriam como pagar contas mais altas
SABINE RIGHETTI
ENVIADA A COPENHAGUE
O fracasso das negociações para um acordo global do clima, que passaram no ano passado pela Dinamarca, não foram suficientes para que o país desistisse de ser líder mundial em ideias verdes. Nem que isso seja feito com base em altos impostos.
Com taxas bastante gordas, o governo dinamarquês está conseguindo, por exemplo, reduzir a emissão de CO2 nos transportes e diminuir o consumo de energia elétrica pela população.
Hoje, 37% dos moradores de Copenhague, a capital do país, circulam todos os dias de bicicleta por cerca de 1,2 milhão de km de ciclovias. A meta é chegar a 50% em 2015.
O motivo de tantas bikes nas ruas é simples: um carro na Dinamarca custa caro, e cerca de 60% do valor dos automóveis vai em impostos.
"Temos uma política de impostos agressiva. É uma maneira de atrair as pessoas economicamente para a questão ambiental", diz Lars Hansen, da Associação de Energia Dinamarquesa- espécie de conselheira do governo para assuntos verdes.
Também há incentivos para deixar os carros movidos a combustíveis fósseis na garagem. "Os veículos elétricos têm menos impostos e a partir do ano que vem estarão mais baratos", diz Hansen.
Hoje, boa parte dos táxis dinamarqueses é elétrica e identificada com uma espécie de selo verde.
PARA APAGAR A LUZ
As contas de consumo de energia elétrica, por sua vez, têm uma incidência de 50% de impostos. O objetivo é motivar os dinamarqueses a evitarem desperdício.
Um casal tira da carteira cerca de R$170,00 (cerca de 70 euros) por trimestre para pagar a conta de energia- o que é considerado bastante caro no país.
Mas, de acordo com Hansen, os dinamarqueses decidiram se tornar "verdes" independentemente dos impostos. "É uma questão de opção de vida", analisa.
Um exemplo disso, na opinião dele, é o alto consumo de produtos orgânicos no país: mais da metade do que se come na Dinamarca tem origem orgânica- trata-se de um recorde mundial. E esses produtos custam de 10 a 20% a mais do que aquele que utilizam agrotóxicos.
A onda verde atingiu também hotéis e restaurantes locais, e fez com que a rede de supermercados Irma, fundada em 1886, aumentasse significativamente seu faturamento quando passou a ter foco em produtos orgânicos.
A meta do governo dinamarquês é que 80% do total consumido no país seja orgânico em 2015.
Os dinamarqueses também podem optar pelo consumo de energia renovável, como a eólica, pagando cerca de R$ 45,00 (20 euros) a mais por trimestre nas suas contas de luz. "Cada vez mais pessoas fazem essa opção", afirma Hansen.
QUESTÃO CULTURAL
O aumento de impostos para incentivar, por exemplo, o uso de bicicletas poderia não dar certo no Brasil.
"Nos países com distribuição desigual de renda, os mais ricos pagariam as contas altas e os mais pobres simplesmente não teriam como pagar", diz Kristian Wederkinck Olesen, do Consórcio Climático da Dinamarca.
Na opinião dele, cada país deve analisar como implementar políticas ambientais de acordo com sua história e cultura da sua população. "Na China, pode ser que o governo teria de fiscalizar e punir quem não seja verde", exemplifica ele.
"Por causa dessas diferenças culturais, é muito difícil chegar num acordo entre países em reuniões como a que aconteceu na Dinamarca ano passado", conclui Olesen.
A jornalista SABINE RIGHETTI viajou a convite do governo dinamarquês
PROMESSÔMETRO DINAMARQUÊS
50%
da matriz enérgica tendo base eólica até 2050
Hoje, esse valor não passa de 20%, mas isso já faz do país o que mais aproveita o potencial energético dos ventos
80%
da matriz energética limpa até esse ano de 2050
Hoje, esse valor não chega a 30%, abaixo do Brasil (45%), mas acima da média dos países industrializados (13%)
70%
do transporte público no país (especialmente os ônibus) movido a energia renovável também até 2050
Ideia é utilizar especialmente a biomassa como combustível (como o etanol da cana-de-açúcar produzido no Brasil); hoje, esse valor é zero
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