“Kassab tira R$ 120 mi de fundo de multas para pagar subsídio de ônibus” – O Estado de S.Paulo

 

Código de Trânsito e lei municipal dizem que verba só pode ser usada em sinalização, educação, fiscalização e engenharia de tráfego

Renato Machado, Rodrigo Burgarelli – O Estado de S.Paulo

A Prefeitura de São Paulo transferiu recursos do Fundo Municipal de Desenvolvimento de Trânsito (FMDT) para o pagamento de subsídios às viações de ônibus. Já foram retirados este ano R$ 120 milhões destinados ao fundo – criado para centralizar o dinheiro das multas – para a rubrica "compensações tarifárias e renovação da frota". A legislação determina que o dinheiro do fundo seja investido em sinalização, fiscalização, educação e engenharia de tráfego.

O FMDT foi criado no ano passado para impedir que os recursos obtidos com multas fossem transferidos para finalidades não previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Antes, a receita das infrações de trânsito ia para o caixa único da Prefeitura, o que impossibilitava acompanhar o investimento.

Nem o CTB nem o decreto que regulamenta o fundo – este último de autoria do prefeito Gilberto Kassab (DEM) – preveem o uso dos recursos nos subsídios pagos às empresas de ônibus ou em investimento em transporte público (ver box ao lado da foto). Isso chamou a atenção do Ministério Público Estadual (MPE), que tomou conhecimento das transferências em meio às investigações sobre a falta de sinalização na Marginal do Tietê. Agora, a Promotoria estuda abrir inquérito para averiguar o uso do dinheiro com outras atribuições.

Para o MPE, o remanejamento das verbas prejudica serviços que deveriam ser cumpridos com o dinheiro das multas. A Promotoria quer saber, por exemplo, por que só R$ 15 milhões (2,2% dos R$ 685 milhões previstos para o fundo em 2010) estão reservados para a sinalização – oito vezes menos que o valor destinado aos subsídios.

Arrecadação. Especialistas em legislação de trânsito ouvidos pelo Estado disseram que usar recursos do fundo para outras áreas é irregular. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito, Julyver Modesto de Araujo, o maior problema é que a prática incentiva que as autuações sejam vistas como forma alternativa de arrecadação. "É para evitar isso que se determinou que esse dinheiro deve ser revertido para educação e sinalização. O trabalho tem de ser feito para que as infrações sejam reduzidas, e não o contrário", afirmou.

A quantidade de multas de trânsito aplicadas em São Paulo bate recorde anualmente – foram 6,2 milhões de autuações em 2009. Mais da metade é registrada por radares eletrônicos. Apesar do aumento constante na quantidade de multas, a cidade tem problemas em áreas que seriam beneficiadas pelo FMDT, como a sinalização.

Em 2009, os repasses adicionais para compensações tarifárias foram feitos com verbas da Secretaria de Transportes, antes destinadas, por exemplo, aos monotrilhos e ao Trecho Sul do Rodoanel. Este ano, os investimentos mais prejudicados com os repasses foram os destinados à rede de ônibus – dos R$ 120 milhões que saíram do fundo, R$ 96,4 milhões iriam para a construção e requalificação de corredores e terminais de ônibus.

Para cobrir a diferença entre o custo real e o preço das passagens, ainda deve haver um repasse de R$ 80 milhões até o fim do ano. Segundo a Prefeitura, a diferença entre os valores deveria ser coberta pelos R$ 200 milhões que o Município espera receber quando for concluída a licitação para privatizar os serviços de bilhetagem da SPTrans e do Metrô. O valor se refere à indenização a que a Prefeitura tem direito por ter desenvolvido o sistema do bilhete único. A licitação, no entanto, ficou parada nos Tribunais de Contas do Estado (TCE) e do Município (TCM), e ainda não há data para o processo ser concluído.

PARA ENTENDER
Fundo é regido por lei federal e municipal

A Lei Municipal 14.488, de 19 de julho de 2007, diz que "os recursos do Fundo Municipal de Desenvolvimento de Trânsito deverão ser aplicados exclusivamente no desenvolvimento do trânsito no Município de São Paulo, nos termos do art. 320 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), visando desenvolver as seguintes atividades: sinalização; engenharia de tráfego e de campo; policiamento e fiscalização; e educação de trânsito."

O Conselho Nacional de Trânsito (Contran), na resolução 191, especificou os termos a que se refere o artigo 320 do CTB: podem ser contemplados serviços como pinturas de faixa, mapeamento viário, estudo de novas vias e campanhas educativas.

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