“Parado quase devagar” – Carta Fundamental

 

Excesso de carros entope as ruas das grandes cidades do País. Investir em transporte coletivo é sempre a melhor solução

Por Mauricio Broinizi Pereira

Mobilidade urbana é o nome que se dá para a possibilidade de se movimentar na cidade, o direito de ir e vir entre os nossos destinos cotidianos, como, por exemplo, de casa para o trabalho, do trabalho para a escola e da escola para casa. Parece muito simples, mas a mobilidade nas grandes e médias cidades brasileiras está se tornando cada vez mais difícil, e, em muitos casos, um sacrifício diário. Tomando a cidade de São Paulo como uma referência para este problema, podemos deixar um alerta para todas as cidades que buscam crescer, mas se esquecem de realizar um planejamento adequado – acabam focando estratégias apenas de curto prazo, e nem tanto de médio e longo. Por exemplo: São Paulo, hoje, no lugar de ter 70 quilômetros de metrô, deveria ter, no mínimo, 350 quilômetros, o que permitiria a mobilidade urbana (e, consequentemente, o bem-estar coletivo) ser muito melhor. E por que na cidade não se tem uma estrutura de transportes adequada?

A história nos ajuda a responder esta questão. Em primeiro lugar, sabemos que as grandes cidades se formaram com o processo de industrialização ocorrido nos últimos dois séculos. Nelas, o transporte ferroviário, de alta capacidade de passageiros, era parte da própria industrialização e, ao mesmo tempo, a melhor opção tecnológica existente para transportar as crescentes populações urbanas e a grande quantidade de mercadorias que saiam das fábricas europeias. Com isso, as regiões pioneiras da chamada Revolução Industrial foram as primeiras a cortar seus territórios com as linhas férreas, a ponto de, ao fim do século XIX, a Europa estar amplamente servida por uma enorme rede de trens urbanos e interurbanos, ligando praticamente todas as principais cidades do Velho Mundo.

No Brasil, principalmente nas regiões cafeicultoras, as ferrovias também foram implantadas no final do século XIX, como a Santos-Jundiaí, que transportava café do interior paulista para o Porto de Santos. Entretanto, em nosso país, o processo de industrialização mais intenso coincidiu com o momento de grande expansão da indústria automobilística europeia e norte-americana, e esta indústria recebeu vários incentivos governamentais para se instalar também no Brasil, configurando-se como parte importante do próprio modelo de desenvolvimento que passou a predominar por aqui a partir dos anos 1950. Mas a indústria automobilística exigia estradas, pontes, avenidas, túneis e viadutos para constituir o seu mercado, o que fez com que nossos governantes abandonassem periodicamente o transporte ferroviário para redirecionar os investimentos para um sistema viário voltado aos carros e caminhões. Desta forma, abandonaram-se os trens e atrasaram-se muito o planejamento e a implantação do metrô em nossas cidades, além de semearem a ilusão de que os carros, ônibus e caminhões dariam respostas adequadas às diretrizes do desenvolvimento brasileiro. Hoje, a qualidade de vida nas cidades é duramente atingida por essa opção, assim como se tentam diminuir o prejuízo com a implantação de linhas de metrô que deveriam ter sido planejadas e construídas há muitas décadas atrás.

O problema agravou-se muito nos últimos anos, pois o crescimento econômico brasileiro teve como consequência o aumento da população urbana (89% de todo o País em 2009, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE) e a ampliação das vendas e do uso cotidiano dos automóveis nos grandes centros, diante da má qualidade do transporte coletivo. Em São Paulo, por exemplo, entre 1997 e 2009, a frota de automóveis cresceu 43,2%, enquanto a velocidade média na cidade, no horário de pico da tarde, caiu 33%, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). A imprensa chegou a brincar com a lentidão no trânsito, comparando a velocidade dos carros e ônibus que trafegam na cidade com a de uma galinha, perto de 15 quilômetros por hora.

O mais grave nesse caso é o tempo que o paulistano gasta por dia para se locomover, ficando exposto, inclusive, aos altos índices de poluição da cidade, também causados, sobretudo, pelo mesmo trânsito. Em pesquisa realizada pelo Ibope/Nossa São Paulo, a população gasta em média 2h42 por dia para realizar seus deslocamentos na cidade. A nota que é dada, na mesma pesquisa, para o trânsito da cidade é 3,3; para a lotação dos ônibus, 3,4; para o tempo de espera e duração das viagens de ônibus, em torno de 4. Para 96% dos entrevistados, a poluição do ar é um problema grave ou muito grave, enquanto 97% consideram que a poluição afeta de alguma forma a saúde de pessoas da família ou de seus conhecidos. Ao mesmo tempo em que apontam os problemas, a população, na mesma pesquisa, indica qual seria a principal solução: para 67%, os governos devem dar prioridade aos investimentos no transporte coletivo (metrô, trem e corredores de ônibus). No mesmo sentido, 52% dos paulistanos afirmam que estão dispostos a deixar de usar o carro diariamente se houver um transporte coletivo eficiente e de boa qualidade.

Entretanto, a consciência que a população revela, tanto para fazer o diagnóstico como para apontar a direção que deve ser seguida, parece não ser a opção preferencial de nossos governantes, pois continuam projetando pontes, avenidas e túneis (sempre insuficientes e de efeito passageiro), ao mesmo tempo que não implementam corredores de ônibus, não investem seriamente em ciclovias e estão mudando projetos de metrô para monotrilhos (que têm apenas um terço da capacidade de transporte de passageiros comparado ao metrô). Além disso, a ampla maioria das grandes cidades brasileiras não possui planejamento adequado (para curto, médio e longo prazos) na área de mobilidade e transportes, nem mesmo aquelas cidades cujo Plano Diretor exige um programa de transportes como complemento, como é o caso de São Paulo. Por outro lado, várias projeções indicam a continuidade do crescimento econômico para os próximos anos, o que deve continuar ampliando o uso do automóvel e os congestionamentos nos grandes centros urbanos.

É claro que todos têm o direito de possuir automóvel. O que não se pode admitir é a má qualidade do transporte coletivo, o que faz com que cada vez mais as pessoas “fujam” do uso do metrô e dos ônibus e recorram ao transporte diário por meio do carro, congestionando e poluindo ainda mais as nossas cidades. Grande parte da população europeia possui automóvel, mas para se locomover no dia a dia a grande maioria tem à disposição um ótimo sistema de transportes coletivos e de ciclovias – se todos fossem ao trabalho e à escola de carro, as cidades europeias ficariam completamente paradas. Pode-se muito bem deixar para se utilizar o carro nos momentos emergenciais, nos finais de semana e nas viagens, mas o seu uso diário é cada vez mais prejudicial à qualidade de vida nas grandes e médias cidades.

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