“Ordem na casa, diz a CDHU” – Exame

 

A maior empresa pública de habitação do país, a CDHU, quer mudar sua imagem. A meta é fazer para a baixa renda moradias confortáveis e verdes

Ana Luiza Herzog

É fim de tarde, e em um pequeno condomínio da cidade de Cubatão, a 55 quilômetros de São Paulo, crianças andam de bicicleta sobre ruas pavimentadas. Os sobradinhos geminados de dois dormitórios, revestidos de pastilhas de vidro em tons pastel, têm janelas amplas que favorecem a incidência de luz natural. Dentro, todo o chão é de piso frio e a cozinha e o banheiro são revestidos de azulejos brancos. Nos telhados, aquecedores solares garantem o banho quente das famílias, que têm direito a uma vaga de garagem e a uma área comum com um playground e uma churrasqueira. O empreendimento imobiliário parece coisa de classe média — mas, acredite, não é. Quem mora ali, num condomínio da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), é gente pobre: muitas famílias têm renda média mensal inferior a dois salários mínimos.

Ao longo das últimas décadas, e em todo o Brasil, as empresas públicas estaduais e municipais de habitação, mais conhecidas como Cohabs, esmeraram-se em ter sua imagem associada à construção de aglomerados de habitações pequenas, feias e de qualidade ruim para a população de baixa renda. A CDHU não escapa à regra. Em bairros da periferia de São Paulo, a empresa ajudou a piorar a paisagem urbana com mares de prédios idênticos e de arquitetura de gosto duvidoso. No interior do estado, onde o calor pode ser mais intenso, o desconforto térmico nas casas da CDHU fez com que elas recebessem o apelido pejorativo de “forno microondas”. Nos últimos quatro anos, porém, a companhia tem tentado vencer a própria imagem.

Por trás dessa tentativa está o engenheiro Lair Krähenbühl, que ocupa os cargos de secretário estadual de Habitação e de presidente da CDHU. Desde que assumiu as duas funções, em 2007, Krähenbühl decidiu que a sustentabilidade permearia a estratégia da companhia, e isso significava, principalmente, melhorar a qualidade do produto oferecido à população. “Incorporamos a ideia de que investir nas casas traria benefícios: para o meio ambiente, à saúde dos moradores, e para a própria CDHU, uma vez que as famílias costumam passar o resto da vida na mesma habitação”, diz o arquiteto Eduar do Trani, chefe de gabinete da Secretaria de Habitação.

O condomínio de Cubatão é parte do residencial Rubens Lara. Quando estiver totalmente pronto, e o plano da CDHU é que isso aconteça em dezembro de 2011, o empreendimento abrigará 1 840 famílias de baixa renda que vivem no entorno da rodovia dos Imigrantes. São pessoas que estão em áreas de risco ou de proteção ambiental, uma vez que a região abriga parte do Parque Estadual da Serra do Mar, uma das maiores áreas contínuas de Mata Atlântica do país. O Rubens Lara não terá apenas sobrados geminados, mas outros tipos de moradia, como casas individuais e prédios de nove e de cinco andares. A ideia é que, assim, o lugar ganhe os contornos de um bairro comum, diverso, e que as pessoas que morem ali não se sintam estigmatizadas. A área de qualquer moradia será superior a 42 metros quadrados e, do total de habitações, 51% terão três dormitórios, com área de 60 metros quadrados, para abrigar famílias mais numerosas. Independentemente do tamanho, todas terão pé-direito de 2,60 metros, aquecedores solares para a água do chuveiro e medição individualizada do consumo de água.

Durante muito tempo, a CDHU trabalhou com um pé-direito 20 centímetros mais baixo. Isso, associado ao uso de telhado sem nenhum tipo de forro ou laje — prática também abolida na gestão de Krähenbühl —, ajuda a entender a alcunha de “forno” que as casas ganharam dos mutuários. Já os aquecedores solares de água não só permitem que as moradias usem uma fonte de energia renovável alternativa como também geram uma redução no valor das contas de luz. A CDHU ainda não tem estudos conclusivos sobre essa economia, mas famílias já revelaram à empresa que ela pode chegar a 40%. “É algo significativo para qualquer consumidor, mas ganha ainda mais relevância para pessoas que moravam em favelas, não pagavam conta alguma e agora vivem uma nova realidade”, diz Eduardo L. Baldacci, gestor do programa de eficiência energética da CDHU. Os medidores individualizados de água também têm uma função estratégica: a de permitir que cada família gerencie seu consumo e pague apenas por ele. Quando o gasto de água é unificado e rateado entre todos os moradores de um conjunto, quem gasta pouco financia os perdulários e os maus pagadores, e isso gera conflitos. Os executivos da CDHU estimam que o aumento da área e as outras mudanças representaram um incremento de 10% no custo unitário das habitações.

ESCALA
Embora o Rubens Lara seja hoje a principal vitrine dessa nova visão da CDHU, muitas das melhorias em prol do conforto dos moradores e do uso mais inteligente dos recursos naturais vêm sendo testadas há algum tempo e ganharam escala nos últimos quatro anos. A primeira experiência com aquecedores solares foi feita com 136 casas da companhia no município de Cafelândia, no interior do estado, em 2005. Hoje, eles já estão instalados em cerca de 18 000 moradias. “Existem outras iniciativas isoladas de uso da tecnologia no Brasil, mas todas são muito mais modestas”, diz Roberto Lamberts, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e um dos maiores especialistas em eficiência energética de edificações do país. São experiências como essa que fizeram com que a CDHU fosse convidada a participar do Sushi, sigla em inglês para Iniciativa para a Moradia de Interesse Social Sustentável.

O projeto foi criado pela ONU e tem como objetivo propor medidas para melhorar a qualidade das habitações populares e adaptá-las à economia de baixo carbono. Aqui ele é conduzido pelo Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma) e pelo Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS), que reúne empresas, ONGs e academia. O convite feito à CDHU teve também outra motivação. “A companhia é uma das maiores da América Latina e que mais constrói no país”, diz a arquiteta Diana Csillag, diretora do CBCS. Os números que cercam a operação da CDHU são mesmo grandiosos: de 2007 para cá, a companhia entregou 90 000 moradias e, só neste ano, seu orçamento chegará a 1,3 bilhão de reais.

Hoje, todas as melhorias feitas por Krähenbühl e sua equipe à frente da CDHU são vistas com bons olhos, mas nem sempre foi assim. Quando decidiu lá atrás que metade das moradias seria construída com três dormitórios, o secretário foi criticado. Os opositores à ideia alegavam falta de bom-senso. Afinal, os estudos demográficos não indicavam uma redução no tamanho das famílias brasileiras? Sim. A percepção de Krähenbühl, no entanto, era de que na baixa renda muitas vezes não só pais e filhos vivem sob o mesmo teto, mas também avós e outros parentes. O secretário contratou então o Ibope, e um censo realizado em 500 000 moradias provou que ele estava certo. “Nossa trajetória recente não foi livre de polêmicas, mas sempre tivemos convicção de que estamos no rumo certo”, diz Trani.

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