“Revisão do Código Florestal pode legalizar área de risco e ampliar chance de tragédia” – Folha de S.Paulo

 

Texto no Congresso deixa de considerar topo de morro como área de preservação e libera a construção nas encostas

Locais como esses foram os mais afetados pelos deslizamentos que mataram mais de 600 pessoas no Rio

VANESSA CORREA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
EVANDRO SPINELLI
DE SÃO PAULO

As mudanças propostas pelo projeto de alteração do Código Florestal -pensadas para o ambiente rural e florestas- ampliam as ocupações de áreas sujeitas a tragédias em zonas urbanas.
O texto em tramitação no Congresso deixa de considerar topos de morros como áreas de preservação permanente e libera a construção de habitações em encostas.

Locais como esses foram os mais afetados por deslizamentos de terra na semana passada na região serrana do Rio, que mataram mais de cinco centenas de pessoas.

O projeto ainda reduz a faixa de preservação ambiental nas margens de rios, o que criaria brecha, por exemplo, para que parte da região do Jardim Pantanal, área alagada no extremo leste de São Paulo, seja legalizada.

A legislação atual proíbe a ocupação em áreas de encostas a partir de 45 de inclinação, em topo de morro e 30 metros a partir das margens dos rios -a distância varia de acordo com a largura do rio.

A proposta já foi aprovada por uma comissão especial e deve ser votada pelo plenário da Câmara em março. Se aprovada, vai para o Senado.

PARA QUE SERVE

Nos morros, o objetivo da lei atual é preservar a vegetação natural, que aumenta a resistência das encostas e reduz deslizamentos de terra.

Nas margens dos cursos d’água -rios, córregos, riachos, ribeirões etc.-, a área reservada visa preservar as várzeas, espaços onde os alagamentos são naturais nas épocas das chuvas fortes.
Boa parte da legislação não é cumprida, principalmente nas cidades. Mas as prefeituras, responsáveis por fiscalizar as regras e impedir a ocupação dessas áreas, têm os dispositivos à disposição.

Mesmo que a ocupação irregular ocorra, os limites atuais facilitam a remoção sem necessidade, por exemplo, de desapropriação de terras, afirma Marcio Ackermann, geógrafo e consultor ambiental, autor do livro "A Cidade e o Código Florestal".

Ele diz que as áreas de preservação permanente previstas no Código Florestal coincidem, na maioria, com as áreas de risco de ocupações.

Ackermann cita como exemplo os locais onde morreram pessoas na semana passada em Mauá (Grande SP), e Capão Redondo (zona sul de SP). O mesmo ocorre, diz, na maioria dos locais atingidos pelos deslizamentos na região serrana do Rio.

CRÍTICAS

O secretário do Ambiente do Estado do Rio, Carlos Minc, critica as mudanças. "O que ocorreu no Rio -[já] tinha acontecido antes em Santa Catarina e outras áreas- mostra um pouco onde leva essa ocupação desordenada das margens de rios e das encostas. Eu acho que isso mostra a irresponsabilidade dessa proposta", diz.

O relator do projeto de revisão do Código Florestal, deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP), nega mudança nas regras de ocupação das cidades, embora o texto fale, com todas as letras, sobre regularização fundiária em áreas urbanas consolidadas.

Rebelo critica Minc, de quem é desafeto. "Não é por acaso que acontece essa tragédia no Rio, é por causa de secretários incompetentes e omissos como Carlos Minc."

 

Relator nega mudanças na área urbana

DE SÃO PAULO

Relator do projeto de mudança do Código Florestal, Aldo Rebelo (PC do B-SP) nega mudanças nas regras nas cidades.

Folha – Quais mudanças o Código fará nas regras de ocupação das cidades?
Aldo Rebelo – Eu sou relator do Código Florestal. A lei de uso e ocupação do solo urbano é outra. Tratamos de ocupação para agricultura e pecuária.

O texto fala que encostas a partir de 45 nas cidades podem ser ocupadas por casas. Ele também tem reflexos na área urbana…
Não alteramos nem mexemos em nada que tivesse relação com espaço urbano. Só deixamos o que já vinha da lei anterior.

O seu texto cita a regularização fundiária em áreas urbanas consolidadas.
Isso é que já estava na lei. Isso é o que já tem.

Esse item não existe no atual Código Florestal.
Existe numa legislação que torna mais fácil desapropriações para assentamentos urbanos.

A lei é a do programa Minha Casa Minha Vida?
Provavelmente deve ser. Sei porque nossos consultores asseguraram que nada de novo nem diferente entrou na questão do solo urbano. As alterações foram apenas para o uso da reserva legal e áreas de preservação permanente.

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