Daniel Satini, do Outras Vias*
No Brasil, 63,6% da população se desloca de ônibus, a pé ou de bicicleta. Pouco mais de um terço, apenas 36,4% utiliza transporte individual motorizado, sendo que 23,8% opta por carros e 12,6% por motos. Em algumas regiões, a discrepância é ainda maior. No Norte, por exemplo, tem mais gente utilizando bicicletas como transporte (17,9%) do que carros (17,6%) e costuma haver mais respeito por ciclistas e pedestres do que em outras regiões (vale dar uma olhada nos relatos da jornalista Evelyn Araripe, que recentemente deu um giro pela região).
Mapa divulgado pelo Ipea (clique na imagem para baixar o estudo)
Os dados constam no estudo que o Ipea (PDF no GoogleDocs) divulgou nesta semana sobre Mobilidade Urbana. Como parte de uma série de pesquisas para o Sistema de Indicadores de Percepção Social, os técnicos desta vez procuraram traçar um retrato das impressões da população sobre a eficácia do transporte público e os principais desafios de cada região.
Vale ler com calma os dados e pensar sobre a justiça das políticas de transporte adotadas em todo o país. Não só em São Paulo, mas em todas as regiões é comum a priorização da ampliação da malha viária (leia-se construção de avenidas, viadutos e túneis), em detrimento de investimentos na melhoria do transporte coletivo. As cidades são pensadas para beneficiar uma minoria, enquanto a maioria se espreme cada vez mais em ônibus apertados e lentos devido aos congestionamentos provocados pela quantidade absurda de carros circulando.
Quem cursa ensino superior é quem mais usa carro no Brasil.
Não é só. Mesmo sem oferecer serviços satisfatórios, as principais redes de transporte público adotam políticas tarifárias agressivas, excluindo parte da população. Nem todo mundo anda de bicicleta porque é saudável ou divertido – tem muita gente que não tem opção. O estudo do Ipea indica que 28,91% da população deixa de usar transporte por não ter dinheiro para pagar. No Norte, o índice chega a absurdos 48,12%. Ausência de rede de transporte ou falta de linha no horário necessário são outros motivos que afastam o público (no Brasil, 35,30% e 36,52% respectivamente).
É neste contexto que as principais cidades do país anunciaram aumento na tarifa de ônibus. São Paulo é uma das capitais que puxou a subida dos preços e segue com a tarifa municipal mais cara: R$ 3,00. É também a cidade onde tem acontecido seguidos protestos contra a manutenção de tal política desigual no trânsito. Ontem aconteceu mais um e hoje a Bicicletada, manifestação de ciclistas que acontece todo mês, tem como tema o aumento.
Conforme indicam os dados do Ipea, faz sentido a união entre ciclistas, pedestres e passageiros de ônibus em manifestações pedindo mais respeito por parte do poder público e por parte de quem usa transporte individual para se deslocar.
Nas cidades que concentram mais carros, o respeito é menor.
P.S. – Quem me encaminhou o estudo e chamou a atenção para os dados foi a Andreia Dip, amiga querida e jornalista extremamente talentosa. Vale dar uma olhada nos textos saborosos que ela escreve sempre. Valeu, Dipa!
*Daniel Santini tem 30 anos, é jornalista, estuda jornalismo internacional e tem uma bicicleta vermelha.
(Outras Vias)