“Subprefeituras perdem receita e importância” – Época São Paulo

 

Subvalorizadas, subdimensionadas e submissas, elas agora estão próximas de ser reduzidas a zeladorias

por Texto Camilo Vannuchi. Gráficos Flávia Marinho

Criadas para descentralizar o poder numa cidade de quase 12 milhões de habitantes, as subprefeituras de São Paulo vivem seu ocaso. Ao longo dos últimos anos, foram loteadas politicamente e usadas na busca de votos. Esvaziadas administrativamente, estão próximas de se transformar em “zeladorias”, com a única função de cuidar do espaço urbano.

O orçamento da prefeitura para 2011 será votado na Câmara na segunda quinzena de dezembro. Mantida a redação atual do projeto de lei, a receita será de R$ 34,6 bilhões – um recorde. Os valores previstos para as 31 subprefeituras representam uma redução de 1,6% em relação a 2010, enquanto a receita total do município aumentou 25%. Segundo a proposta enviada ao Legislativo, 2,5% dos recursos municipais ficarão com as subprefeituras no ano que vem – em 2004, foram 21%. A prefeitura alega, em nota, que os investimentos feitos em uma região não se resumem à dotação da subprefeitura. “Os investimentos realizados pelas demais secretarias, como Saúde, Educação e Transporte, são executados nas regiões onde há maior demanda, ou seja, as mais carentes”, diz o texto. Sob essa ótica, teria havido aumento de 12% na receita das subs em relação ao ano passado.

Dinheiro, porém, não é o principal problema das subs. Injetar verbas públicas em estruturas de baixa eficiência administrativa pode representar apenas a legitimação de males como o fisiologismo, o aparelhamento político e a corrupção. O real problema das subs é que, nascidas sob as boas intenções da descentralização e da aproximação entre eleitos e eleitores, elas acabaram se transformando em instrumento de vereadores e prefeitos na caça ao voto (leia no quadro da pág. 104).

Para que o processo de descentralização seja eficaz e não estimule desvios de dinheiro público, é necessário, além de dividir as verbas, montar uma estrutura que fiscalize a aplicação desses recursos. Um exemplo é o que ocorre com os repasses do governo federal aos municípios, fiscalizados pela Controladoria-Geral da União (CGU). As auditorias regulares da CGU já descobriram centenas de casos de corrupção e funcionam para coibir o desvio dos recursos. Algo semelhante deveria ser instituído na gestão municipal em São Paulo. Mas não foi o que ocorreu ao longo da história das subprefeituras paulistanas.

Concebidas após a Constituição de 1988, as subprefeituras foram previstas na Lei Orgânica do Município, de 1990. Cada sub teria um conselho de representantes, não remunerado e eleito diretamente pela população local. A ideia era evitar que um pequeno grupo a controlasse. Para regulamentá-la, um projeto de lei foi enviado à Câmara ainda no governo de Luiza Erundina (1989-1993). Ele propunha a criação dos conselhos e a nomeação dos subprefeitos a partir de uma lista tríplice, escolhida em eleição direta. “Buscamos dar às regiões autonomia financeira e de planejamento, com influência sobre todas as pastas”, diz Erundina, hoje deputada federal pelo PSB. Para ela, descentralizar significava mais que distribuir dinheiro.

 

As subs foram criadas em 2002, no governo de Marta Suplicy (2001-2004), depois que denúncias de corrupção nas administrações regionais desgastaram o governo de Celso Pitta (1997-2000). Com maioria, Marta aprovou a implementação das subs, que jamais alcançariam a descentralização desejada. A fiscalização do uso dos recursos era feita pelo Tribunal de Contas do Município, uma estrutura defasada e contaminada. “Os subprefeitos eram indicados por vereadores em troca de apoio na Câmara”, diz Odilon Guedes, primeiro subprefeito do Jabaquara. Guedes afirma ter deixado o governo Marta e o PT em decorrência desses problemas. Ficou célebre, naquela gestão, o caso da subprefeitura de Capela do Socorro, cujos comandantes – ligados a uma família com forte poder local – foram acusados de fraudes na coleta do lixo e no transporte.

Na gestão do tucano José Serra (2005-2006), o poder local diminuiu nas subs. Serra as usou para contemplar aliados do interior e da Grande São Paulo. “Ele nomeou ex-prefeitos do interior como subprefeitos e impediu que as subs entrassem na negociação de votos na Câmara”, diz o deputado estadual Ricardo Montoro (PSDB), candidato à Presidência da Câmara em 2005. “Resultado: perdi a eleição.” Secretário de Participação e Parceria até março deste ano, Montoro critica o “retorno à centralização” patrocinado pela atual gestão. Em 2006, foram desativadas as coordenadorias regionais de saúde e educação – e recentemente as coordenadorias de assistência social. A alegação era que políticas de saúde, educação e assistência deveriam ser idênticas em toda a cidade. Hoje, cabe aos subprefeitos cuidar quase exclusivamente da poda de árvores, dos buracos e da limpeza das bocas de lobo. “A orientação é para que as subs se transformem em zeladorias”, diz Montoro.

Em vez de nomear líderes locais ou políticos do interior, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) tem escolhido ex-coronéis da Policia Militar sem envolvimento com as comunidades, sob o argumento de evitar a corrupção. Mas a solução de um problema pode criar outros. “É importante andar, ouvir, estabelecer um vínculo com o lugar”, afirma o secretário estadual de Cultura, Andrea Matarazzo, secretário de coordenação das subs entre 2007 e 2009. Ele lamenta, entre outras mudanças, a desativação das coordenadorias de assistência social e a alta rotatividade de subprefeitos (houve 48 substituições desde janeiro de 2009). “O subprefeito tem de ter legitimidade, conhecer a área e ser um representante da região no governo”, diz o vereador Donato (PT), secretário de coordenação das subs entre 2003 e 2004.

Descentralizar a gestão de uma cidade do tamanho de São Paulo é questão de bom senso. “É uma imprudência centralizar a administração numa cidade com 12 milhões de habitantes”, diz Maurício Piragino, diretor da Escola de Governo. Mas também é verdade que as subs se tornaram um foco de negócios suspeitos e verbas destinadas pelos vereadores apenas para agradar sua base de eleitores. Essa prática já recomeçou na discussão do orçamento. Apelidadas de “emendas paroquiais”, as injeções de dinheiro costumam ser aprovadas sem restrições, uma vez que os vereadores dependem dos colegas para que suas reivindicações sejam atendidas. “Cabe aos vereadores apresentar emendas que garantam mais recursos para seus territórios”, diz o líder do governo e candidato a presidente da Câmara Municipal, José Police Neto (PSDB), adiantando que haverá mudanças significativas. Milton Leite (DEM), relator do orçamento e também candidato, fala em 15% de acréscimo para as subs.

Reduzidas a zeladorias, as subprefeituras revelam os limites de um modelo de descentralização administrativa que não deu certo. “Ele ficou muito distante do que se imaginava”, diz o cientista político Marco Antônio Teixeira, professor de administração pública na Fundação Getúlio Vargas.

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