Um sistema mecânico capaz de transformar a água do mar em água potável utilizando energia renovável acaba de ser desenvolvido na Escola Politécnica (Poli) da USP. O equipamento poderá atender a necessidade de países como Cabo Verde, na África, onde a água potável não é um recurso tão abundante. O projeto é de autoria do engenheiro Juvenal Rocha Dias, cidadão caboverdiano, que efetuou os cálculos e medições para o trabalho durante suas pesquisas de mestrado e doutorado na Poli. A ideia surgiu justamente pela observação das necessidades de seu país de origem.
Segundo Dias, já é possível que os governos de países menos desenvolvidos pensem numa alternativa menos custosa que a técnica mais comum de dessalinização, que funciona com energia elétrica obtida a partir da queima de combustível fóssil, como o Diesel. A nova alternativa propõe ser menos nociva ao meio ambiente e pode custar menos ao poder público, no que diz respeito aos gastos com a compra de combustíveis derivados do petróleo.
O sistema denominado “coluna de dessalinização” funciona basicamente como um filtro, utilizando Energia Eólica — fornecida pelos ventos — provinda de cataventos ou turbinas eólicas, e Energia Potencial Gravitacional, que existe por conta da força da gravidade, relacionada à massa dos corpos e à altura da qual se encontram. Dias explica que o processo de dessalinização se inicia com o bombeamento de água salgada para a parte superior de uma coluna, em formato cilíndrico, onde há um reservatório. O peso dessa água impulsiona um êmbolo que pressiona o ar contido em uma câmara inferior do sistema. Esse ar exerce uma força sobre outro reservatório. A água contida nele é pressionada e passa por uma espécie de membrana. A membrana é o “filtro” do sistema, que compõe o método conhecido como “osmose reversa”. Assim, a água, antes salgada, passa pela coluna, é filtrada e transformada em água potável.
Por funcionar a partir de energia renovável, o sistema é menos nocivo ao meio ambiente
Para pensar nas soluções do projeto, Dias utilizou principalmente as leis da Física e da Termodinâmica. Segundo o pesquisador, a dimensão da coluna a ser construída depende do consumo de água potável desejado. Por exemplo, para a produção de 5 mil metros cúbicos (m3) de água, o que equivale, em média, à água utilizada por 10 pessoas ao longo de um dia, o sistema deve possuir cerca de 25 metros (m) de altura.
Vantagens
De acordo com os cálculos realizados , o consumo específico de energia no processo equivale a 2,8 kWh/m3 de água potável produzida, bem abaixo do consumo especifico de energia de sistemas convencionais, que apresentam valores em torno 10 kWh/m3 de água potável produzida a partir da dessalinização da água do mar.
A professora Eliane Fadigas, orientadora do estudo, diz que os possíveis gastos com a construção e instalação do sistema podem ser caros. Porém, a longo prazo, o investimento pode valer a pena, principalmente para países na situação econômica como a de Cabo Verde. “O governo vai poder redirecionar o dinheiro que era utilizado com a compra de Diesel para outras necessidades, ligadas também à população. É evidente que tudo isso depende da vontade política”, explica Eliane.
“Além de servir para transformar a água do mar em água potável, a coluna também pode ser adaptada e reprojetada para outros fins. Por exemplo, a partir do uso de filtros apropriados, o sistema pode ser utilizado para a despoluição de riachos e lagos, ou mesmo como fonte de água para uso na agricultura ou produção de energia elétrica”, acrescenta a professora Eliane. “Ao idealizar o sistema, pensamos não só na questão dos gases poluentes, mas também onde poderíamos depositar o sal retirado da água. Esse ‘resto’ pode ser, por exemplo, devolvido para o mar de uma forma controlada”, completa o engenheiro.
Limitações
Durante o estudo na Poli, o pesquisador construiu um protótipo da coluna, utilizando materiais diversos para teste, como baldes, papelão e concreto, e obteve sucesso nos testes. Segundo a pesquisa, os modelos reais terão como principal material o aço. Ainda será testado um protótipo da coluna mais próximo do real, por meio do qual será possível medir, por exemplo, as perdas por atrito, o que pretende aprimorar o modelo.
Segundo o engenheiro, há sim algumas limitações no funcionamento do sistema. “Uma vez que é movido à energia eólica, depende das condições dos ventos, e até mesmo dos requisitos dos catavendos, que, por sua vez, devem ser instalados próximos ao mar ou a fontes de água. Isso não acontece caso a fonte de energia seja a turbina eólica, de mecanismo diferente do catavento. Há portanto a limitação de espaço, já que quanto mais catavento, mais potência”, aponta Dias. Mas já imaginando possibilidades de compensar essas limitações, a pesquisa também sugere utilização da chamada “bomba clark”, que serve como reaproveitadora das energias ‘perdidas’ durante os processos do sistema.