NA CIDADE HÁ, HOJE, 100 MIL CRIANÇAS NA FILA; O SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DA GESTÃO KASSAB ACREDITA NA RECUPERAÇÃO DA REDE, MAS NÃO SABE SE COLOCA O FILHO EM ESCOLA PÚBLICA
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO
Só daqui a dez anos toda a criança que nascer em São Paulo terá a garantia de vaga em creches públicas. A avaliação é do secretário de Educação do município, Alexandre Schneider, que diz estar "tirando a rede do fundo do poço". Apesar da evolução descrita como positiva -dá nota 8 ao ensino público-, ele ainda está pensando se seu filho mais novo entrará numa escola pública.
Folha – Por que há crianças sem escola na mais rica cidade da América do Sul?
Alexandre Alves Schneider – Não há crianças sem escola no ensino fundamental. E, em algumas regiões da cidade, já não há crianças sem escola na pré-escola.
Na pré-escola há um deficit?
Sim. O deficit era de 79 mil há três anos; hoje é de 19 mil. Na creche temos muitas crianças fora da escola. Isso porque os investimentos começaram a ser mais pesados nos últimos anos. Tínhamos, em 2005, 60 mil crianças matriculadas em creche na cidade. Fechamos 2010 com 130 mil. Estamos hoje com 187 mil crianças. Temos 100 mil na fila. O deficit ainda é grande. A demanda cresceu. Cresceu o emprego entre as mulheres e elas precisam de um lugar para colocar os filhos.
Como o sr. acha que esse deficit será zerado?
A creche é obrigação do Estado, mas não é obrigação dos pais. Imagino que nós vamos ter ainda um bom tempo para zerar esse deficit. Nenhum lugar do mundo conseguiu fazer isso.
O que é um bom tempo?
A meta do Ministério da Educação é ter 50% das crianças em creche até 2020. Só com base na demanda, hoje estaríamos atendendo já 2/3 das crianças que precisam de creche em São Paulo.
Quando o sr. acha que atingirá a meta?
Se forem mantidos os mesmos níveis de investimentos, vamos precisar de mais duas gestões pelo menos, mais dez anos. O compromisso que assumimos -e que vamos cumprir- é de gerar a demanda de dezembro de 2008: 58 mil vagas. Isso é diferente de ter portas abertas para todas as crianças que nascerem em São Paulo. Isso pode demorar uma década.
A prioridade na educação infantil é construção de unidades ou fazer convênios?
Nós não temos uma escolha. Devemos ter 40% [das creches] diretamente administradas pela prefeitura e 60% por convênios. A grande dificuldade de administrar tudo diretamente é a velocidade que se tem para construir, fazer concursos. O convênio possibilita o atendimento mais rápido.
Há muitas críticas em relação a esses convênios, sobre o critério das contratações, a interferência política nessas entidades conveniadas. Não há problema aí?
Existem entidades que prestam serviço para a prefeitura há 50 anos. Reduzimos a possibilidade de ter algum tipo de influência política. As regras foram ficando mais duras para os convênios. Os supervisores de ensino do município não são cargos de confiança, são cargos concursados. Eles fazem o trabalho na ponta sobre o andamento dessas unidades. A prestação de contas é analisada por contadores e pela área jurídica. Sobre a matrícula, nem o prefeito pode passar uma criança na frente da fila de creche. Isso era usual num passado recente. Hoje a fila está na internet.
Eu não estava falando desse tipo de interferência política.
Com relação aos convênios, isso não existe. Pode ter alguém vinculado a político? Pode. Está todo mundo atento para esse tipo de coisa. Os supervisores fazem uma fiscalização muito dura.
Não há redutos políticos?
Há vereadores que têm ligação com a área. Isso é inegável. Agora, não é um critério para conveniar. Eu não recebo pedido de vereador para conveniar. Aliás, eu nem decido com quem conveniar. Isso é feito na ponta.
Como o sr. avalia hoje a questão do primeiro ciclo? O sr. colocaria o seu filho numa escola municipal?
Eu colocaria na educação infantil do município de São Paulo. E acho que, com as mudanças que estamos fazendo, eu pensaria em colocar no ensino fundamental.
Pensaria em colocar? O sr. não está muito convicto.
Veja, essa é uma questão importante. Há quatro anos, tínhamos 75 mil crianças em escolas e salas de lata e 75% das crianças do ensino fundamental estudando em escolas de três turnos diurnos.
Tínhamos professores desestimulados por conta do salário e das condições de serviço. Não se sabia o desempenho dos alunos, não havia uma prova externa. Muitas vezes, não havia professor. Hoje estamos conseguindo tirar essa rede do fundo do poço. O piso dos professores, que era de R$ 1.200, é de R$ 2.300. Hoje não falta professor, temos um currículo. O desempenho das crianças do ciclo 1 está melhorando. Quando fizemos a primeira prova São Paulo, tínhamos 61% das crianças alfabetizadas no segundo ano. Em 2009, já foram quase 75%. A escola está melhorando.
Mesmo assim, o sr. não colocaria seu filho numa escola municipal ainda?
Eu estou pensando em colocar o meu filho numa pré-escola municipal, o mais novo. Eu espero que daqui a alguns anos, quando estiver no fundamental, ele possa ir.
O turno da fome ainda existe?
Ele existe em 39 escolas. Quando chegamos, ele existia em 330 escolas, com quase 150 mil crianças. Hoje são 16 mil. A previsão é acabar.
Acabar em quanto tempo?
Eu queria que fosse ontem, mas acho que, até o fim da gestão, a gente consegue.
Qual sua avaliação sobre o modelo dos CEUs?
É um modelo excelente para garantir à comunidade algo que ela não teria condição em outros lugares. Mas isso não é garantia de sucesso. Entre as 127 escolas que não conseguiram atingir a meta do MEC, tem uma escola de um CEU. Nós já tivemos escolas de lata com resultados melhores do que o CEU. O que muda a educação é o professor e a equipe da escola, mais do que o espaço.
Sobre alfabetização: 25% saem do segundo ano sem saber ler e escrever. Como resolver isso?
Muitas vezes, se esqueceu de fazer o feijão com arroz. Uma boa escola precisa ter uma boa estrutura física, um número razoável de alunos por professor -30 alunos nos primeiros anos e eu quero chegar a 30 alunos para todos. A média na rede em 2005 era um pouco mais de 35 alunos por professor. Hoje, a média é 31. Construímos 118 escolas nesse período.
Na periferia as coisas sempre são piores, não é verdade?
É e não é. Nós dividimos a demanda com o Estado. Em alguns casos, conseguimos reduzir, mas ainda temos os últimos anos com 37 (alunos/professor), o que é inadequado. Mas já há um equilíbrio maior. Foi criado o programa ler e escrever, focado na alfabetização. Desenvolvemos ainda dois processos de recuperação.
E a progressão continuada?
A discussão está fora de lugar. No fundo, é preciso ver por que a escola não está ensinando. O sistema mais bem avaliado no mundo, o da Finlândia, tem um ciclo de nove anos.
Qual a linha pedagógica que o sr. prefere?
As escolas municipais têm uma influência muito grande do construtivismo. Acho que o melhor método é que o professor sabe ensinar.
E o material pedagógico. Como o sr. avalia o mercado de apostilas privadas?
Esse mercado cresce muito nas cidades menores onde não há estrutura. Não tenho nenhum preconceito, mas acho que seria praticamente impossível numa cidade como São Paulo se comprar um sistema apostilado.
O que o sr. acha da premiação de professores?
É importante ter política de mérito, que não pode ser confundida com a salarial.
Qual a melhor e a pior escola de São Paulo?
Difícil. Temos muitas boas escolas, na zona leste, no Butantã, no Jardim Ângela. Uma das que mais melhoraram fica na Cratera da Colônia, lá no fim de Parelheiros.
Que nota o sr. dá para a educação municipal em SP?
Comparando com outras redes ou escolas particulares na periferia, que atendem ao mesmo público, daria 8.
Qual sua visão sobre o novo partido do prefeito Kassab?
Acompanho pelos jornais. Sou filiado ao PSDB.
Qual sua avaliação do ministro Haddad? Há identidade entre as gestões?
Sim. Ele teve mérito ao trazer de volta a questão das avaliações.
O sr. é candidato a prefeito?
Não, o que é isso?! No município, o quadro ainda é muito confuso. Apesar dessa movimentação do prefeito Kassab, eu imagino que ele possa ter o mesmo candidato, apoiar o candidato do PSDB. Não é impossível.