Só 38 de 158 regiões mapeadas tiveram diminuição de risco; estudo do IPT mostra que hoje ainda há 29 mil famílias em locais precários
Paulo Saldaña e Márcio Pinho – O Estado de S.Paulo
Em sete anos, a Prefeitura não conseguiu melhorar a situação de três em cada quatro áreas de grande risco de deslizamento na cidade de São Paulo. Mais de 75% das áreas de risco alto e muito alto mapeadas em 2003 permanecem hoje na mesma situação e seguem protagonizando acidentes – apesar das tentativas de retirada e das promessas das gestões Marta Suplicy (PT), José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab.
É o que mostra análise feita pelo Estado a partir do mapa das áreas de risco de 2010 produzido pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e divulgado neste ano, em comparação com os dados do estudo de 2003.
No total, 29 mil famílias paulistanas vivem atualmente em regiões com probabilidades alta e muito alta de escorregamento ou inundação (próximas de córregos). Das 158 áreas com essa característica mapeadas em 2003, durante a gestão Marta Suplicy (PT), 119 aparecem com as mesmas classificações no levantamento divulgado em janeiro pela gestão Kassab.
Cada área é dividida em setores, que podem variar em quatro níveis de risco: baixo, médio, alto e muito alto. As duas últimas classificações são as que precisam de maior atenção – por apresentarem grande potencial para ocorrência de escorregamentos e solapamentos. No estudo do ano passado, a Prefeitura identificou 607 setores de risco alto e muito alto. Em 2003, eram 288 – e desses 251 permanecem.
Mortes. Em vários desses endereços, a chuva caiu e a tragédia anunciada se concretizou. Em 2009, por exemplo, um homem de 45 anos morreu na Favela Santa Madalena, em Sapopemba, área da Subprefeitura de Vila Prudente, zona leste, onde moram 1.900 famílias. Desde 2003, a Prefeitura já sabia que a área apresentava três setores de risco muito alto.
A favela se desenha em torno de um vale, em cujas encostas e no fundo estão encravadas as moradias sujeitas a maior risco. A dona de casa Gilvanice Batista dos Santos, de 25 anos, mora há quatro com o marido e os dois filhos, de 3 e 7 anos, exatamente no centro desse vale. "Quando chove, a água vem como um rio até a parede da sala. Fica tudo molhado", reclama ela, que pagou R$ 14 mil pela residência de três cômodos. "Nesses dias caiu parte do barranco. Tenho medo, mas não tenho para onde ir."
Acordo. A Prefeitura teve de contratar o mapeamento das áreas de risco de 2003 em razão de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público, que questionava o perigo a que estavam expostos moradores em diversos bairros da cidade. O Plano Municipal de Gerenciamento de Riscos foi publicado logo depois, com os resultados e as diretrizes para combater o problema. O documento foi usado pela reportagem para o levantamento, pois a Prefeitura não permitiu ao Estado ter acesso ao estudo de 2003, apesar dos seguidos pedidos feitos no último mês.
A ex-prefeita Marta Suplicy informava no plano que 80 setores de risco estavam em obras. A Assessoria de Imprensa da Secretaria das Subprefeituras contesta os dados levantados pela reportagem e afirma que havia, na verdade, 323 setores com risco alto e muito alto em 2003. Segundo o órgão, em 80% de todas as áreas, o risco foi reduzido, "seja por conta das obras de contenção, urbanizações, remoções ou mesmo pela consolidação do local".
A Prefeitura afirma que as soluções adotadas beneficiaram 34 mil famílias desde 2005, ano do início da gestão José Serra/Gilberto Kassab. Atualmente, estão sob intervenção 268 setores, dos 1.179 contidos nas 407 áreas de risco identificadas no estudo de 2010 – que mapeou maior porção da cidade que o anterior. A Prefeitura divulgou que pretende retirar as famílias das áreas de risco alto e muito alto no prazo de seis anos. Algumas já recebem auxílio-aluguel.
Pelo levantamento do Estado, só 38 áreas perderam setores de risco alto ou muito alto para médio e baixo. Quatro tiveram o risco eliminado – ou não foi possível identificar.
O promotor de Habitação e Urbanismo, José Carlos de Freitas, calcula em 25 as ações do Ministério Público contra as subprefeituras em diferentes gestões por não apresentarem cronogramas de obra para áreas de risco. Freitas quer apresentar os novos números ao tribunal, mostrando que o risco não foi afastado. Ele ressalta que a Prefeitura pode ser responsabilizada civil e criminalmente por mortes causadas por deslizamentos. "O objetivo era afastar o risco e, quando fosse alto ou muito alto, até remover famílias. Ela (a Prefeitura) não tinha de aguardar um novo laudo do IPT para saber que há milhares de pessoas nessas áreas."
Marta. O Estado procurou a ex-prefeita e atual senadora Marta Suplicy, que não quis falar.
QUATRO PERGUNTAS PARA…
Álvaro dos Santos, GEÓLOGO
1. Como o senhor avalia a questão das áreas de risco alto e muito alto em São Paulo?
Eu sei que a questão piorou. Mas o quanto exatamente é difícil de mensurar, porque não sabemos quantas famílias continuam nessas áreas que já haviam sido identificadas.
2. Que erro vem sendo cometido para que áreas de risco geológico sigam crescendo?
A medida fundamental que teria de ser tomada é interromper o desenvolvimento de novas áreas de risco. E não foi tomada. O erro de total falta de controle técnico da expansão urbana continua sendo cometido. O parar de errar daria tranquilidade para atuar sobre as áreas já existentes.
3. Adianta fazer novos estudos e não atuar nas áreas de imediato? Diariamente esse tipo de estudo fica defasado, pois ocorrem novas invasões. A decisão teria de ser tomada logo, prevendo ações daquele ponto em diante.
4. Como é possível conter novas invasões de forma mais eficiente?
Há duas medidas fundamentais que devem ser adotadas: uma fiscalização atuante e um programa habitacional abrangente. Ou então a população de baixa renda continuará procurando habitações baratas e realizando loteamentos irregulares.