“Planejamento e metrópole” – O Estado de S.Paulo

 

Jorge Wilheim – O Estado de S.Paulo

Nota editorial do Estadão (1.º/4, A3) saúda, com toda a razão, a decisão do governo do Estado de restabelecer planejamento e autoridade de amplitude metropolitana em São Paulo. Recorda o que ocorreu, nesse sentido, durante a gestão do governador Paulo Egydio Martins (1975-1979): a criação da Emplasa, órgão de planejamento metropolitano que substituiu o Gegran, autor do plano de 1970, do Codegran (órgão deliberativo), do Consulti (órgão consultivo composto pelos prefeitos), do Fumefi (órgão de financiamento) e da EMTU (empresa metropolitana de transporte).

Caberia ainda relembrar que, dentro do espírito de "abertura lenta e gradual" do presidente Geisel (1974-1979), que, a meu ver, poderia ter sido menos lenta e sem os percalços da invenção dos senadores biônicos, e paralelamente ao movimento de democratização da sociedade, o planejamento adquiria importância. Não é por acaso – e me orgulho de ter disso participado – que o governo Paulo Egydio se iniciou após estabelecer uma estratégia pela qual, por meio de programas e projetos, atacava de forma consistente os problemas emergentes diagnosticados em 1974, por equipe de consultores que coordenei.

Outras realizações inseridas no planejamento de então: a criação de um balcão de empregos; a Terrafoto, que por vez primeira substituía um cartel no levantamento aerofotogramétrico de todo o Estado; o Procon; a discussão das alternativas de desenvolvimento, um desafio ao establishment ainda vigente, com ênfase no meio ambiente e seus produtos exemplares – o início do Proálcool, quando todas as viaturas oficiais passaram a usar a atual mistura de gasolina e álcool. E mais: as regras para a progressiva modernização automotiva, a instalação de coletores solares em hospitais universitários e a elaboração dos planos de desenvolvimento de cada uma das regiões administrativas do Estado, com a implantação de seus conselhos mistos de desenvolvimento.

Por que tudo isso desmoronou, já nos primeiros meses do governo seguinte (Paulo Maluf, 1979-1982), sem resistência da sociedade nem da mídia, e é retomado, parcialmente, 22 anos depois? O primeiro Plano Metropolitano viria a ser substituído por outro, em 1994, quando tive a oportunidade de dirigir aquela empresa estatal, já bastante fragilizada. Boa parte do que hoje é retomado, incluídos sua real dimensão e os desafios locais da globalização, já estava diagnosticada, com propostas de ação. Mas nem o governo de então (Luiz Antônio Fleury Filho, 1991-1994) nem os seguintes deram importância a esse plano, em que a metrópole já era descrita como uma região urbanizada, de Campinas a Santos, de Sorocaba a São José dos Campos, com São Paulo no núcleo.

Em meu décimo livro, recentemente editado, São Paulo: uma Interpretação, ao discorrer sobre as raízes e características dos protagonistas que atuam sobre o palco de São Paulo, menciono a natureza "pessoal" do exercício da política. Relaciono-a a duas características entranhadas em nossa cultura: a relação pessoas/território, que gerou uma cultura migrante, cujos atores sempre agem como "conquistadores", sem grande respeito pelas leis e pela ética, mas com iniciativa, criatividade e confiança em si próprios; e a porosidade social, que facilita o acesso à categoria de classe dominante a qualquer pessoa com garra e dinheiro (no Rio do século 19 vários traficantes negreiros dela faziam parte…).

Não é, por isso, de estranhar que o mundo político, com exceções, se caracterize mais pelo individualismo dos seus protagonistas, preocupados com a carreira pessoal, do que pela ideologia, deles ou de seu partido. E que nele ousadia e sucesso valham mais do que ética e solidariedade. A ausência de uma visão mais generosa e, por isso, mais adequada ao nosso desenvolvimento é comum em nosso mundo político. Houve, contudo, exceções. Entre estas, em minha apreciação, a de alguns prefeitos de São Paulo: Fábio Prado, Toledo Piza, Faria Lima, Olavo Setubal, Marta Suplicy; e a de alguns poucos governadores, como Paulo Egydio e Franco Montoro.

Na questão metropolitana sempre houve resistência de deputados estaduais e partidos a um planejamento e a uma autoridade neste território, ciosos de sua posição de representantes autônomos deste ou daquele município ou região, angariando créditos políticos por tudo de bom que lá ocorresse. Por outro lado, muitos cidadãos continuam buscando contatos pessoais com políticos a fim de resolver problemas pessoais, embora já seja impressionante quanto a sociedade se organizou em torno de causas coletivas. Um bom exemplo da movimentação da sociedade civil foi a criação da Rede Nossa São Paulo, que, no âmbito da Prefeitura, conseguiu resultados práticos importantes. Para superar essa situação de atraso na política, porém, uma reforma política ajudaria: com voto distrital, sem financiamento público, mas com a permissão de contribuições de pessoas físicas.

A perspectiva hoje é boa: nas mais diversas regiões do mundo um novo pacto social está sendo construído, com articulação do Estado, do mercado, da sociedade organizada e dos trabalhadores. A dimensão ambiental está, aos poucos, tomando sua posição no centro do planejamento do desenvolvimento. Entre nós, o combate à desigualdade está assumindo sua posição central no desenvolvimento. Já existe consciência das vantagens da previsão, do projeto, do sonho… Isto é, do planejamento.

E, finalmente, alguns políticos estadistas com visão generosa, humana e moderna, como os que já existiram, poderão ainda surgir. Por tudo isso, Geraldo Alckmin merece ser saudado com entusiasmo por sua mencionada iniciativa, embora não se possa esquecer que ela poderia ter sido tomada antes, pois ele e seu partido têm governado o Estado desde 1995… No campo do planejamento metropolitano são 16 anos de atraso a recuperar.

ARQUITETO E URBANISTA

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