Justiça e polícia reproduzem velhos erros contra descriminalização da maconha. Leia artigo de Fernando de Barros e Silva publicado hoje (23) na Folha de S.Paulo:
"Fumaça democrática"
SÃO PAULO – Em nome da manutenção da ordem e da legalidade, a PM patrocinou uma enorme desordem na tarde de sábado, em São Paulo, transformando a região da avenida Paulista e da rua da Consolação num campo de batalha.
A tropa de choque investiu contra aqueles que defendiam a legalização da maconha com balas de borracha e gás lacrimogêneo, distribuindo cacetadas em manifestantes que corriam.
Disseminou-se pelas ruas um clima de pânico. Pessoas que nada tinham a ver com o ato foram atingidas pelo gás, nos carros ou nas calçadas.
As imagens e relatos não deixam dúvidas de que houve uso abusivo da força. O xis da questão, porém, está na decisão judicial infeliz que deu respaldo à ação da polícia.
O desembargador Teodomiro Mendez, do TJ-SP, decidiu proibir a manifestação na véspera de sua realização. Alegou que o ato "não trata de um debate de ideias, apenas, mas de uma manifestação de uso público coletivo de maconha". Disse ainda que os "indícios de práticas delitivas no ato favorecem a fomentação do tráfico de drogas, crime equiparado aos hediondos".
Pois bem: apesar da repressão tão veemente da PM, quantas pessoas foram presas no sábado por fumar maconha? Nenhuma, embora algumas tenham sido detidas, por razões pouco claras.
Onde está, então, o "uso público coletivo de maconha", alegado pelo magistrado? Eis um caso típico de censura prévia praticado por um juiz conservador, que confunde o direito constitucional à livre manifestação com a apologia do crime.
Quem decide ir à rua para defender a legalização da maconha não está fomentando o tráfico de drogas, como sentencia o juiz, mas exatamente o contrário.
A ação desmedida da PM deve dar fôlego ao movimento que defende a descriminalização da droga. A decisão do doutor, que provocou a confusão, deveria ampliar o debate sobre a liberdade de expressão, ainda tão acanhada.