Reajuste vale a partir de janeiro e deve custar cerca de R$ 3 milhões anuais aos cofres públicos; foram 40 votos a favor e 14 contra
Diego Zanchetta – O Estado de S.Paulo
Sob os gritos de "vergonha", a Câmara Municipal aprovou ontem, em tempo recorde, o reajuste salarial do prefeito Gilberto Kassab (sem partido) e dos 27 secretários. A segunda votação da proposta teve 40 votos a favor e 14 contra (1 vereador estava ausente). A partir de 1.º de janeiro de 2012, o vencimento do prefeito passa de R$ 20 mil para R$ 24 mil e o dos secretários, de R$ 5,5 mil para R$ 19,4 mil. O impacto nas contas públicas ficará em torno de R$ 3 milhões por ano.
Em uma semana, a proposta passou por três votações relâmpagos na Câmara: duas em plenário e uma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). E não foi só isso: ontem, nas últimas sessões antes do recesso de julho e em menos de cinco horas, a base governista atropelou a oposição e ignorou apelos de centenas de famílias contrárias aos projetos de construção de um túnel entre o Brooklin e a Rodovia dos Imigrantes e à proposta que autoriza a venda de um terreno no Itaim-Bibi onde funcionam duas escolas, teatro, biblioteca e uma sede da Apae. Todos passaram com 39 votos favoráveis.
Nenhum projeto, porém, causou mais indignação entre as 200 pessoas presentes no plenário da Casa quanto o do aumento salarial do prefeito. Mas os gritos de "vergonha" que ecoaram das arquibancadas nã intimidaram os governistas.
Quando foi colocado em pauta, o reajuste chegou até a render discussão. Mas houve apenas o registro de voto contrário de dez dos 11 vereadores do PT e dos parlamentares Aurélio Miguel (PR), Adilson Amadeu (PTB), Cláudio Fonseca (PPS) e Eliseu Gabriel (PSB).
Fonseca, apesar de líder do PPS e um dos principais articuladores do governo, votou contra a orientação da base. "Só vou votar se o mesmo aumento for dado aos professores", argumentou o parlamentar, que também é presidente do Sindicato dos Professores da Rede Municipal de Ensino.
Indignação. No plenário, a ira de quem vai ser desapropriado para a construção do túnel projetado para a zona sul aumentou com a votação do reajuste. Alguns moradores da Favela do Vietnã, prevista para ser desapropriada no Brooklin, usaram palavrões para xingar os vereadores da Mesa Diretora e juraram lembrar de seus nomes nas eleições de 2012.
"Esperaram o último dia antes das férias para votar um "pacote de maldades" contra a população e a favor do prefeito Kassab. Não vamos esquecer de vocês", gritava do plenário a líder comunitária Rosália de Oliveira, de 44 anos. /COLABOROU RODRIGO BURGARELLI
PONTOS-CHAVE
Prefeito já teve reajuste automático
Tentativa
A Mesa Diretora da Câmara havia tentado aumentar o salário de Kassab (de R$ 12 mil para R$ 24 mil) em 2010, mas a proposta foi barrada.
A brecha
Um decreto de 1992 que atrela o rendimento do prefeito ao de deputados estaduais elevou automaticamente o salário de Kassab para R$ 20 mil em fevereiro.
Contestação
O Ministério Público vai investigar o reajuste automático de Kassab. Uma resolução similar que beneficiava os vereadores já está sendo contestada.
Você é favorável ao salário de R$ 24 mil para o prefeito?
Debate
Oded Grajew
Sim
É mais do que justo. Esse valor, se comparado ao que o mercado paga a profissionais que exercem cargos de direção, é até pequeno. Conheço pessoas que foram convidadas para ministérios e não aceitaram porque o salário é incompatível com o que ganham no mercado. Alguns fazem um sacrifício para se dedicar a uma causa pública. Por outro lado, há os corruptos que veem no cargo uma oportunidade de enriquecer.
Em estudos sobre salários de funcionários públicos em países desenvolvidos, chegou-se à conclusão de que eles ganham em média 10% menos do que o setor privado oferece. No Brasil, esse abismo é maior. Os pouco mais de R$ 5 mil pagos hoje a secretários parecem até brincadeira.
COORDENADOR-GERAL DA REDE NOSSA SÃO PAULO.
Aldo Fornazieri
Não
O fato de o salário de um servidor público saltar em poucos meses da casa dos R$ 12 mil para R$ 24 mil representa aumento absurdo. É injustificável. Devem ser levados em conta nesse tipo de pretensão os parâmetros de aumentos salariais praticados atualmente no País.
Há estudos que mostram que o setor político no Brasil tem uma das maiores remunerações do mundo. Ou seja, é preciso ter mais comedimento. O aumento em São Paulo fere ainda o princípio da moralidade pública, um dos parâmetros pelos quais se deve guiar a administração, embora esse reajuste possa até estar correto do ponto de vista legal.
DIRETOR DA FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO (FESPSP) E CIENTISTA POLÍTICO