“Crise de abastecimento de água em São Paulo é questão social” – Agência USP

 

A crise de abastecimento de água da região metropolitana de São Paulo não é um problema apenas ecológico, mas social. É o que diz estudo de Frederico Bertolotti, defendido em fevereiro de 2011 como dissertação de mestrado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sob orientação de Ana Fani Alessandri Carlos.

Bertolotti estudou o crescimento urbano na região da represa Guarapiranga, na zona sul da cidade de São Paulo, por meio de observações de campo, leitura de textos e análise de dados oficiais de 2006 de diversos órgãos, entre eles a Sabesp, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a ONG Instituto Socioambiental, e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Segundo ele, os moradores dessa região são responsabilizados pela poluição das águas da represa e indiretamente pela crise de abastecimento de água que ameaça São Paulo. “O objetivo do trabalho era desconstruir essa ideia. Há outros fatores que contribuem para piorar a qualidade da água”, afirma.

Para o pesquisador, existem ao menos três outros fatores importantes para compreender a crise no abastecimento de água na região metropolitana de São Paulo. O primeiro é o consumo desigual entre os bairros. Regiões nobres como Pinheiros e Perdizes consomem até cinco vezes mais água que a periferia. “Inclusive, os moradores das regiões próximas à Guarapiranga sofrem com falta de água. É irônico. Justo quem mora perto da fonte de água tem dificuldade em consumi-la”, afirma. Além disso, o tipo de consumo entre os bairros é qualitativamente diferente. “Em bairros nobres se utiliza água em fontes, piscinas, em um número maior de banheiros por residência, além do uso básico. Na periferia o uso é quase que exclusivamente para fins essenciais”.

Outro fator é a carência de saneamento básico nas áreas de mananciais. “Na região da Guarapiranga, apenas 54% das residências possuem coleta de esgoto. E destes, cerca de 80% retorna à represa sem tratamento por não existirem sistemas de escoamento e nem capacidade de tratamento do esgoto coletado na região”, afirma Bertolotti. Ampliando a análise para toda a metrópole percebe-se que 82% das moradias possuem coleta de esgoto. Desse total, apenas cerca de 59% recebe tratamento e o restante acaba sendo despejado em diferentes cursos d’água espalhados pela metrópole. “Isso mostra que a Sabesp não tem infraestrutura suficiente para tratar todo o esgoto coletado”.

Por fim, o terceiro fator é o desperdício de água dentro do próprio sistema operado pela Sabesp. São perdidos 20,8 metros cúbicos (m³) de água por segundo. A Guarapiranga produz 14,8 m³ e o consumo total da metrópole é de 67 m³ por segundo. “Perde-se mais água do que a Guarapiranga produz. As perdas são da ordem de 31% segundo dados da própria empresa e ocorrem por vazamentos e ligações irregulares”, explica Bertolotti.

Ocupação

Além disso, o pesquisador mostra que não são apenas classes mais pobres que habitam a região da represa. “Lá existe um bairro fechado, a Riviera Paulista, onde existem casas luxuosas. É comum ver os moradores desse bairro velejarem e andarem de jet-ski em uma margem da represa e enquanto na outra os moradores mais pobres se divertem de outras maneiras”, explica. Por lá também já existem bairros de classe média, bem urbanizados, além de parques e espaços para agricultura.

Geração de energia

Segundo Bertolotti, as represas Billings e Guarapiranga não foram criadas para o abastecimento de água, mas sim para a geração de energia elétrica. “No início do século 20, sanitaristas defendiam que as represas deveriam abastecer a região, pois a cidade crescia de forma muito rápida e já enfrentava problemas de escassez de água para o abastecimento público. Mas o setor hidroenergético, representado pela empresa Light, de capital internacional, queria o seu uso para geração de energia. Prevaleceu o desejo da empresa”, lembra. Ele ainda diz que quanto mais poluídas eram as águas da bacia, mais se confirmava o monopólio da Light sobre elas. “A empresa não tratava o esgoto por interesse. Se a água estivesse suja não seria utilizada para abastecimento e um maior volume seria empregado na geração de energia”.

Atualmente a Billings possui uso misto, mas ainda é utilizada para gerar energia, contribuindo com apenas 5% do consumo energético da região metropolitana de São Paulo. “Uma das propostas que faço em meu trabalho é o de utilizar essa água para abastecimento e buscar esses 5% de energia em outro lugar”, afirma Bertolotti.

O pesquisador credita a ocupação das áreas de mananciais a um processo mundial que é a periferização das cidades. “A cidade é negada ao trabalhador empobrecido, ela o segrega. Com isso, conforme há a valorização de áreas periféricas, os antigos moradores, que não conseguem pagar um aluguel ou comprar um imóvel, vão habitar em regiões cada vez mais distantes do centro”, explica. Na zona sul de São Paulo esse deslocamento esbarra nas áreas de mananciais. “A crise de abastecimento, portanto, não é apenas ecológica, mas social”.

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