Jornal do Comércio – Porto Alegre
ENTREVISTA ESPECIAL Notícia da edição impressa de 28/11/2011
João Egydio Gamboa e Paula Coutinho
O empresário Oded Grajew, presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, com sede em São Paulo, veio a Porto Alegre para divulgar a sua mais nova empreitada: o Programa Cidades Sustentáveis. A iniciativa propõe aos candidatos nas eleições de 2012 – especialmente prefeitos – o compromisso com uma agenda de metas que priorizem o desenvolvimento sustentável.
Grajew ressalta que o conceito de sustentabilidade é amplo e compreende inclusive o combate à corrupção. Ele constata o descrédito da democracia representativa e a importância que tem adquirido a democracia participativa, com o envolvimento da sociedade. "Existe no mundo todo um descontentamento com o sistema de representação política, desde a revolta no mundo árabe, os indignados da Europa, o movimento Occupy Wall Street nos Estados Unidos."
Para o empresário, a atual crise financeira internacional demonstra a falência do atual modelo de desenvolvimento. "É o desenvolvimento insustentável da especulação financeira. É o modelo que está em xeque."
Jornal do Comércio – Como surgiu o Programa Cidades Sustentáveis?
Oded Grajew – Começa no Instituto Ethos, que tem a missão de mobilizar e sensibilizar as empresas para que adotem uma gestão socialmente responsável e que sejam parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável. Nos primeiros anos do Ethos, a gente se dedicou muito a introduzir a cultura da responsabilidade social empresarial. Em 1998, nem a palavra existia. Muito menos o conceito. A gente tinha que explicar o que era, que não é filantropia, que é gestão, que leva em contas todas as áreas de atuação da empresa.
JC – Hoje o conceito já está incorporado?
Grajew – O conceito está implementado, o que não quer dizer que todas as empresas tenham uma gestão socialmente responsável. Mas resolvemos dar um passo adiante, na direção das empresas parceiras de uma sociedade justa e sustentável. Foi aí que nasceu a Nossa São Paulo, lançada em 2007. Desde o começo, a ideia era de juntar a sociedade para que colocasse nas agendas tanto da sociedade quanto dos governos a questão do desenvolvimento sustentável.
JC – As mobilizações no Egito, na Europa e nos EUA refletem a crise de um sistema que ignorou o desenvolvimento sustentável?
Grajew – Existe no mundo todo um descontentamento com o sistema de representação política, desde a revolta no mundo árabe, os indignados da Europa, o movimento Occupy Wall Street nos Estados Unidos, os estudantes no Chile, agora na Colômbia. E a ideia atrás desse conceito é de que ou a sociedade participa e se envolve ou o sistema político vai ficar muito descolado da sociedade. Então, por trás desse conceito tem a ideia de avançar na democracia participativa. Porque a democracia representativa é a nova descrença. A Nossa São Paulo hoje congrega 650 organizações, entre empresas, entidades sociais, academias, entidades empresariais, universidades, é muito diverso.
JC – Essa diversidade está no centro da proposta.
Grajew – Exatamente, reunir uma força política que congrega a sociedade e para que a gente tenha a mesma qualidade de vida para todos. Sustentável quer dizer isso. Para todos e ao longo das gerações. E a partir de São Paulo tem mais de 40 cidades que seguiram o exemplo. Então, se formou uma rede brasileira e se espalhou para a América Latina: já tem a Nossa Buenos Aires, a Nossa Santiago.
JC – E o resultado na prática?
Grajew – Todo o trabalho que a gente faz é um trabalho que, além do conceito de desenvolvimento sustentável, tende a concretizar o conceito. Quando se tem um plano, é preciso atingir um objetivo, metas, indicadores, instrumentos de gestão e de medição, porque sobre aquilo que não se mede não se consegue agir. Uma coisa importante que introduzimos em São Paulo foi a mudança na Lei Orgânica do Município, obrigando qualquer prefeito eleito a apresentar um programa de metas para a sua gestão, que contenha todo o programa eleitoral e que seja calcado em números, para todas as áreas e todas as regiões da cidade. Tem que olhar cada região para demonstrar a desigualdade e combatê-la. Essa foi uma mudança cultural muito importante. São Paulo tem hoje 223 metas e várias cidades já seguiram o exemplo – no Rio de Janeiro vai valer para o próximo prefeito. E estamos com uma Proposta de Emenda à Constituição no Congresso Nacional que obriga todo cargo executivo eleito – prefeitos, presidente, governadores – a apresentar um plano de metas. Essas leis têm como pano de fundo o desenvolvimento sustentável.
JC – É o conceito do Programa Cidades Sustentáveis?
Grajew – É um programa inédito mundialmente. Primeiro, porque a gente está oferecendo uma agenda, que significa uma cidade com desenvolvimento sustentável. Essa agenda tem 12 eixos, como governança, bens naturais, equidade, justiça social e cultura de paz. Esses eixos são desdobrados em itens da agenda associados a um indicador. Um exemplo, a questão dos bens naturais comuns como a água. Qual é o índice de desperdício da água na rede pública? Esse é o indicador. Em São Paulo é 26%. Caso de referência: Tóquio, 3%. Então, tem agenda, os indicadores e os casos exemplares. Decidimos aproveitar o processo eleitoral de 2012 para lançar o Cidades Sustentáveis.
JC – A mobilização é para conseguir adesão de candidatos?
Grajew – A ideia é que haja o maior envolvimento possível da sociedade, dos partidos e dos candidatos com a sustentabilidade urbana. O candidato que se compromete com o programa tem que, 90 dias após a posse, apresentar um diagnóstico da cidade baseado, no mínimo, nos indicadores básicos.
JC – E essa agenda pode ser absorvida por qualquer espectro político-partidário, seja um programa de esquerda ou de direita?
Grajew – Somos apartidários. A Nossa São Paulo, a rede e o Programa Cidades Sustentáveis não recebem dinheiro do governo. Temos patrocinadores institucionais, como Unicef, OAB, WWF. A ideia é buscar a adesão de todos os partidos políticos. Já temos a predisposição de vários. É como fazer uma campanha política, só que não para um candidato ou partido político, mas para uma causa.
JC – O programa previu o atual contexto político? Entra governo e sai governo e não ocorrem as reformas política, tributária…
Grajew – O programa nasceu dessa constatação. Então, temos duas atitudes: ficar lamentando que a maioria dos deputados só pensa neles mesmos ou agir. A responsabilidade também é da sociedade. Ela elege, vota, atua, financia campanhas. Nos países árabes, a sociedade decidiu agir: "Vamos esperar que o rei abdique dos seus poderes, ou que os militares abdiquem? Não! Vamos nos mobilizar". Na Europa: "Não vamos esperar que os políticos façam. Vamos nos mobilizar". Ou a sociedade age ou as coisas vão ficar como estão.
JC – Como está sendo a reação dos partidos?
Grajew – O programa tem como meta as 50 maiores cidades do Brasil. A gente discute muito com os diretórios dos partidos. O PPS, por exemplo, decidiu adotar o programa nacionalmente, então já assinou o compromisso e vai anunciar na convenção, mas há também pré-candidatos de vários partidos – PDT, PSDB, PT.
JC – E que benefícios o programa dá para os candidatos que apoiam o projeto?
Grajew – A visibilidade. Isso os candidatos querem e gostam. E a gente trabalha com essa lógica. Se o candidato assumir o compromisso, for eleito, e não cumprir, também vai ter visibilidade. Mas aí visibilidade negativa. Estabelecemos um processo de etapas. E também vamos dar muito subsídio. Não é uma consultoria remunerada, mas a gente tem muita informação e contatos. E todos esses parceiros estão à disposição. As instituições podem e querem ajudar. Então, o prefeito que é bem-intencionado, que quer fazer, terá que entrar de cabeça.
JC – O programa se preocupa com os problemas de corrupção nas três esferas de poder?
Grajew – Defendemos o desenvolvimento sustentável também na questão da ética e da transparência. Um dos eixos é o da governança. E quando a gente fala em disponibilizar as informações, os dados, significa jogar mais luz sobre a gestão pública. Quanto mais luz, menos obscuridade. O combate à corrupção faz parte do desenvolvimento sustentável. O que a gente vê hoje na crise financeira internacional é exatamente o dedo do desenvolvimento insustentável, que significa viver além dos limites, um desenvolvimento que olha o curto prazo e prejudica a médio e longo prazo. É o desenvolvimento insustentável da especulação financeira. É o modelo que está em xeque.
JC – Em que medida a crise europeia atinge a América Latina e o Brasil?
Grajew – A discussão sobre a sustentabilidade se acelerou porque estamos cada vez mais conectados e dependentes. Estamos no mesmo planeta e o que a gente fizer, cada um no seu País, vai afetar a todos. Já atingiu o Brasil porque o País exporta. Vai ter menos exportação. Já há previsão de queda de crescimento do PIB. O Brasil está numa situação melhor, tem uma reserva maior, uma economia forte, então, pode afetar menos do que em outros países. Mas já afetou e afeta.
JC – Quem são as principais vítimas da crise?
Grajew – Os pobres. Porque, em qualquer crise, quem está mais vulnerável é quem tem menos gordura para queimar, é quem mais sofre. Então, o câncer da democracia – do meu ponto de vista – é a interferência do poder econômico no processo eleitoral. A maioria dos eleitos, não só no Brasil como no mundo, são meros representantes daqueles que financiaram as suas campanhas. Quem financia campanha não o faz porque se apaixona pelo candidato. Financia porque tem interesses, quer retorno.
JC – A população está preparada para essa participação?
Grajew – O brasileiro quer acreditar, participar, está disposto, tanto é que o Fórum Social Mundial nasceu no Brasil e antecipou toda essa discussão sobre a participação da sociedade. Não é à toa que começou aqui em Porto Alegre.
JC – Quando o FSM volta a Porto Alegre?
Grajew – A cada dois anos. Para quem participou das últimas edições internacionais do Fórum, não foi nenhuma surpresa o que aconteceu no mundo árabe. Essas lideranças, da Tunísia, do Norte da África, estavam lá se articulando. Então, pode ter sido uma surpresa para (Nicolas) Sarkozy, da França, ou para (George) Bush, dos Estados Unidos, mas não para quem acompanhou o Fórum Social Mundial.
JC – O senhor mantém a ideia de que a próxima edição aconteça num país da primavera árabe?
Grajew – Seria interessante. Talvez a Tunísia, que foi o primeiro e lá o processo está andando. Seria interessante fazer lá até para consolidar o processo. Na Europa também seria interessante, por causa da crise e da mobilização. Mas não impede, porque o Fórum Social Mundial não é um só evento.
JC – Como o senhor avalia o governo Dilma Rousseff (PT)?
Grajew – Ainda não se tem uma ideia clara do que vai ser. Na questão social, o governo (Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT) – é indiscutível – melhorou a vida de milhões de brasileiros. Melhorou a de muitos ricos, como fizeram outros governos, mas também melhorou a vida de muito mais pobres. Nesse sentido, ela (Dilma) continua a mesma política, o que é positivo. Lula, que tinha popularidade e poder para fazer reformas importantes (política, tributária) estruturais, não fez. Pobre paga proporcionalmente muito mais impostos do que o rico e, nesse sentido, Dilma também não está fazendo. São reformas importantes porque constroem a base da nova estrutura de um novo País. Na corrupção, ela reage apenas às denúncias da imprensa, e atua a reboque. Hoje, há o Ministério Público, o Tribunal de Contas, muito dinheiro empregado para a prevenção da corrupção, e essas instituições não funcionam. Sempre faço a comparação a contratar um serviço de segurança em que o alarme não toca, o cachorro não late, o guarda não apita. E a descrença na política, que hoje é muito grande, faz com que muita gente boa não queira participar. Isso é péssimo.
Perfil
Oded Grajew, 67 anos, nasceu em Tel Aviv, quando ainda pertencia à Palestina, hoje capital de Israel. Aos 11 anos de idade foi com a família para a França e morou uma temporada em Paris. No ano seguinte, chegou ao Brasil. Primeiro no Rio de Janeiro, onde viveu por cinco anos, e depois se estabeleceu em São Paulo, cidade em que vive até hoje. Formou-se em Engenharia na Politécnica da USP e fez pós-graduação em Administração de Empresas na Fundação Getulio Vargas. Grajew é fundador do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, criado em 1998. Também está à frente, desde 2007, da Rede Nossa São Paulo, que incentiva a participação dos cidadãos na gestão do poder público. A partir dessa iniciativa, surgiu o Programa Cidades Sustentáveis, que prevê o compromisso dos prefeitos eleitos com uma agenda de desenvolvimento com sustentabilidade.
Grajew também é o idealizador do Fórum Social Mundial, evento internacional que teve sua primeira edição em Porto Alegre, em 2001, e até hoje é realizado em diferentes continentes.