“Em ano eleitoral, Kassab pode ter 72% mais para investir” – Valor Econômico

 

Por Marta Watanabe e Cristiane Agostine | De São Paulo

SÃO PAULO – Em meio ao assédio do PSDB e do PT, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), chega ao último ano de sua gestão com R$ 4,3 bilhões previstos para investimentos, 72% a mais que o aplicado em 2011. No ano passado, foram investidos R$ 2,5 bilhões, o que já foi um patamar mais elevado, com crescimento de 27,3% em relação ao ano anterior. Esse é o valor que a prefeitura estima investir numa perspectiva mais conservadora.

Caso a estratégia do governo municipal para elevar as receitas no ano eleitoral com fontes extraordinárias de recursos seja cumprida, os investimentos podem chegar aos R$ 6 bilhões previstos em Orçamento.

No controle do caixa municipal, o secretário de Finanças, Mauro Ricardo Costa, aposta em mais de R$ 1,3 bilhão em receitas extraordinárias para financiar investimentos em ano de eleições. O município deve tirar do papel propostas antigas, como a que começou a ser idealizada em 2006, quando Mauro Ricardo era secretário de Finanças na gestão de José Serra (PSDB) na prefeitura, e que previa a alienação de debêntures lastreadas nas dívidas do Programa de Parcelamento Incentivado (PPI). Somente essa medida deve gerar R$ 500 milhões. O secretário conta ainda com mais R$ 1,3 bilhão já em caixa para ser aplicado em obras de melhoria na cidade, dentro do programa Operações Urbanas.

Um orçamento municipal recheado de receitas para investimentos torna o apoio de Kassab ainda mais atrativo aos pré-candidatos, que desejam a visibilidade das obras para alavancar suas candidaturas. Em uma das áreas com pior avaliação, a saúde, Kassab vai apresentar um investimento bilionário por meio de Parceria Público-Privada (PPP). Ele inclui a construção de três hospitais e dois centros de diagnósticos, na tentativa de diminuir o desgaste político. Os três hospitais foram promessas de campanha e ainda não saíram do papel, mas Kassab não vai entregá-los e deve apenas iniciar as obras.

Mauro Ricardo foi secretário de Finanças quando Serra foi prefeito de São Paulo, entre 2005 e 2006, e acompanhou o tucano quando ele assumiu o governo estadual, em 2007. Quando Geraldo Alckmin (PSDB) tomou posse como governador, em 2011, Mauro Ricardo saiu. Sua substituição foi vista como um dos principais indícios de que a gestão Alckmin não seria de continuidade.

Ao falar sobre a gestão Kassab em comparação com a de Serra, Mauro Ricardo é direto: é um governo de continuidade. "É difícil separar o que é um e o que é outro", diz. "As pessoas por vezes criticam o Serra por ter saído antes do fim do mandato da prefeitura, mas ele passou a ser o grande prefeitão da cidade", afirma.

Mauro Ricardo comenta que trabalhar com Kassab é mais tranquilo do que ter Serra como chefe. O tucano, diz, é obcecado por trabalho e chegou a ter uma cama na prefeitura. O secretário mantém contato permanente com Serra e diz que a candidatura do tucano à prefeitura fará bem a Serra e à cidade. Um dia antes de entrar em férias, Mauro Ricardo evitou falar sobre a presença do ex-prefeito na disputa paulistana, mas disse que quando voltar ao trabalho, no início de março, "tudo estará resolvido".

A seguir, a entrevista ao Valor:

Valor: Em 2012, a prefeitura deve repetir o crescimento de receitas do ano passado?

Mauro Ricardo Costa: Tivemos um bom desempenho. O crescimento da receita própria, administrada diretamente pela prefeitura, ficou 9,5% acima do crescimento do IPCA. Contando com as transferências estaduais do ICMS e do IPVA, a receita cresce menos, na ordem de 5,5%. Isso porque o IPVA teve desempenho mais fraco, com pequeno crescimento real da ordem de 0,6% e o ICMS cresceu apenas 2,1%.

Valor: E em 2012, como deve ficar a arrecadação própria?

Mauro Ricardo: A arrecadação própria vai ter crescimento real, semelhante ao do PIB, da ordem de 3,5%, com crescimento puxado pelos serviços. Nas transferências estaduais, nossa expectativa é que haja pequena redução em relação ao IPVA e que o ICMS fique no zero a zero.

Valor: E haverá receitas extraordinárias?

Mauro Ricardo: Do Orçamento de R$ 38,7 bilhões, congelamos R$ 4,9 bilhões, quase 13% do previsto, para verificar se essas receitas vão se concretizar. A Câmara Municipal aumentou a estimativa de receita tributária em aproximadamente R$ 700 milhões. As transferências federais estão consignadas no Orçamento em R$ 2,9 bilhões. Desse valor, contingenciamos R$ 730 milhões, exatamente de operações do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Das transferências estaduais, há R$ 1 bilhão contingenciado, do total de R$ 1,174 bilhão. São medidas de prevenção, para evitar assumir compromissos sem disponibilidade. Do Orçamento aprovado, de R$ 38,7 bilhões, a estimativa é fechar o ano com R$ 35 bilhões.

Valor: Mas o Orçamento proposto já previa crescimento de 11%…

Mauro Ricardo: É, de várias receitas. Incluímos na previsão para 2012 receitas condicionadas a determinados fatos que ainda vão se concretizar. Colocamos na previsão R$ 500 milhões da alienação de recebíveis do Programa de Parcelamento Incentivado (PPI). Colocamos também R$ 300 milhões de alienação de recebíveis das transferências que a Sabesp faz trimestralmente pelo contrato de concessão com a prefeitura. Nós consignamos também R$ 337 milhões de ressarcimento à prefeitura dos investimentos no software e equipamentos do Bilhete Único. Tudo isso são receitas que dependem de acontecimentos.

Valor: Em que estágio estão esses projetos?

Mauro Ricardo: No caso dos recebíveis da Sabesp, a ideia é formar um fundo de alienação de direitos creditórios. Já contratamos uma instituição financeira para estruturar a operação, da ordem de R$ 300 milhões, e estamos na fase de contratação de outra instituição para estruturar a operação de recebíveis do PPI. O processo de licitação da contratação da nova empresa que vai administrar o Bilhete Único está sendo conduzido pelo governo do Estado.

Valor: Como será essa operação do Bilhete Único?

Mauro Ricardo: A ideia é uma licitação que contrate uma "clearing", que vai receber toda receita da venda do Bilhete Único e fazer a distribuição entre os agentes. Hoje quem faz isso é a SPTrans. Esse processo está em fase de estruturação pelo governo estadual e envolveria o ressarcimento à prefeitura do que ela investiu no sistema do Bilhete Único. Vai envolver recursos da ordem de R$ 700 milhões, sendo que R$ 237 milhões estão previstos para este ano.

Valor: E em que estágio está o fundo dos recebíveis do PPI?

Mauro Ricardo: O edital de licitação [publicado em 17 de fevereiro] deve resultar na contratação do agente financeiro que vai propor uma forma de estruturar a operação. A ideia é que possamos alocar os recebíveis em uma sociedade de propósito específico já criada pelo município. Essa sociedade, lastreada pelos recebíveis, vai emitir debêntures e aliená-los no mercado privado. Dessa forma, acredito que possamos trazer a valor presente algo próximo de R$ 500 milhões nesse exercício. Temos de recebíveis no PPI algo em torno de R$ 2,7 bilhões para receber nos próximos dez anos. Desses R$ 2,7 bilhões vamos fazer uma operação de R$ 500 milhões. Podem ser feitas outras operações em outros exercícios.

Valor: Quando começam as operações com debêntures?

Mauro Ricardo: A contratação do agente financeiro deve acontecer em março. Acho que podemos ter essa operação no mercado já no primeiro semestre.

Valor: Essas receitas extras já têm destino certo?

Mauro Ricardo: Os R$ 300 milhões serão para habitação e saneamento. Os R$ 500 milhões estão consignados em várias obras.

Valor: Há perspectiva de alienação de ativos para 2012?

Mauro Ricardo: Colocamos no Orçamento R$ 120 milhões de heranças jacentes, aqueles imóveis que ficam para a prefeitura. Isso depende de procedimentos como transferência e documentação. Espero que no primeiro semestre os imóveis já sejam ofertados.

Valor: Como está o caixa deste ano, comparado com o último ano de outras gestões?

Mauro Ricardo: Diria que é uma gestão responsável, sobretudo no aspecto fiscal. Ninguém vai assumir compromisso que não tenha como pagar. Em gestões anteriores se faziam gastos em estimativas de receita que não se concretizavam. Nos quatro últimos meses do exercício não havia recursos para pagar as despesas.

Valor: E em relação a 2008, na primeira gestão do prefeito Kassab? As perspectivas são melhores?

Mauro Ricardo: A atual gestão só assumiu compromisso com disponibilidade financeira. O Orçamento está crescendo. O estimado para este ano é de R$ 35 bilhões. O Orçamento executado em 2004 foi de R$ 13 bilhões. Um crescimento de 170%, significativo, e isso possibilitou a ampliação de gastos em saúde, educação e manutenção da cidade. Aumentou o Orçamento e, logicamente, a aplicação de recursos em diversas áreas.

Valor: Como vai ficar o investimento em 2012? Aumentou em relação aos R$ 2,5 bilhões de 2011?

Mauro Ricardo: A expectativa neste ano é ter quase R$ 6 bilhões de investimentos. Esse investimento depende da concretização de fonte de recursos.

Valor: Mas desses R$ 6 bilhões, qual o valor não contingenciado?

Mauro Ricardo: A parte não contingenciada é de R$ 2,1 bilhões. Mas o investimento de 2012 certamente deve superar o de 2011. Com os recursos dos recebíveis – do PPI e Sabesp – o investimento já supera R$ 3 bilhões. Além disso, há R$ 1,3 bilhão em caixa com recursos de Operações Urbanas.

Valor: O início dessa gestão foi marcado pela construção de grandes obras de educação e saúde, como CEUs e AMAs. Essa fase de construção já acabou. O governo reduziu o investimento nessas áreas?

Mauro Ricardo: Não. Na área de educação há concurso para contratação de professores para acabar com segundo turno e construção de 70 escolas, que estão em licitação e construção ainda nesse exercício. Temos o professor mais bem remunerado do Brasil, à exceção do Distrito Federal, que recebe transferência da União para remuneração da educação, saúde e polícia. O salário inicial é da ordem de R$ 2,7 mil para professor de 40 horas. Estamos em processo de licitação da maior PPP na área de saúde, um investimento de R$ 1,3 bilhão, com construção de três novos hospitais, reforma de mais sete e construção de dois ou três centros de diagnósticos. Há também recursos do programa Operações Urbanas que estão com licenciamentos ambientais concedidos agora. Há recursos em caixa de R$ 1,3 bilhão dessas operações e temos de fazer esses investimentos.

Valor: Os hospitais foram promessa de campanha e ainda não saíram do papel. Neste ano será feita a licitação e a construção?

Mauro Ricardo: No fim do mês devemos abrir propostas para esses investimentos, mas a construção de hospital não leva menos de um ano. Já gastávamos 20% das receitas próprias em saúde. Com esses investimentos vamos a 23%.

Valor: Os hospitais serão construídos com recursos próprios?

Mauro Ricardo: O setor privado vai fazer o investimento e a prefeitura vai pagar durante a concessão de 15 anos os serviços não assistenciais, como limpeza, vigilância, restaurante e lavandeira. Assim o setor privado será ressarcido. É um dos maiores investimentos no Brasil na área de saúde.

Valor: E os recursos para Nova Luz, na região da Cracolândia, que foram tomados na gestão Marta?

Mauro Ricardo: Foi tomado aos pouquinhos. No BID foram R$ 100 milhões, que estão sendo executados. Para este ano estão previstos cerca de R$ 60 milhões.

Valor: Como tem sido a relação com o governo federal? As transferências voluntárias aumentaram?

Mauro Ricardo: Pouco, o fato é que na prefeitura, como no Estado de São Paulo, há pouca transferência voluntária. São Paulo é o único local do mundo onde o metrô é feito com recursos estaduais, e agora municipais, sem participação do governo central. A prefeitura já colocou R$ 1 bilhão no metrô e agora colocará mais R$ 1 bilhão.

Valor: O governo estadual aumentou as parcerias com o governo federal. Isso acontece com a prefeitura também?

Mauro Ricardo: Acontece, mas muitas vezes com execução própria. Por exemplo, no ano retrasado, as obras das marginais, que beneficiam o município, foram feitas pelo governo estadual. O Rodoanel passou pelo município, mas foi obra do governo do Estado. Há hospitais, o Instituto do Câncer, AMAs e vários investimentos diretamente no município.

Valor: O sr. vê alguma mudança de prioridade da gestão Serra para a gestão Kassab?

Mauro Ricardo: Não, é uma gestão única. O Kassab deu continuidade às ações que o Serra vinha empreendendo.

Valor: Mesmo no segundo mandato?

Mauro Ricardo: Sim, na manutenção da cidade e na limpeza, o Cidade Limpa, esses projetos todos, recapeamento, saúde, educação. Há uma continuidade. É difícil separar o que é um e o que é outro, porque mesmo quando o Serra foi para o Estado os investimentos eram feitos na cidade em acordo com a prefeitura: marginais, Instituto do Câncer, AMA especialidades. As pessoas por vezes criticam o Serra por ter saído antes do fim do mandato da prefeitura, mas o Serra passou a ser o grande prefeitão da cidade. Muito se fez na cidade de São Paulo por ele ter assumido o governo do Estado. Ele ter sido o prefeito antes contribuiu bastante para tudo o que foi feito na cidade.

Valor: O sr. foi secretário estadual com Kassab na prefeitura. Agora, o sr. está com o prefeito. Mudou a relação do governo do Estado com a prefeitura?

Mauro Ricardo: O Estado ainda está revendo a linha de investimentos. O Alckmin, quando assumiu, tinha Orçamento da administração anterior. Ele tem suas prioridades e ajustes orçamentários e de equipe. Este ano, trabalhando com o próprio Orçamento, ficará mais clara a aplicação de recursos pelo Estado.

Valor: Essa revisão significa que em 2011 não houve acordos…

Mauro Ricardo: No ano passado os investimentos foram menores do que no último ano do governo Serra, o que é natural por conta da nova equipe.

Valor: Houve mudança no volume de transferência voluntária?

Mauro Ricardo: Teve menos aplicação. Não se fez novo Instituto do Câncer e nova marginal. Mas não se fez porque não há necessidade de se fazer de novo. Não acho que tenha sido intencional. Há vontade grande de ter parceria mais profunda com a prefeitura.

Valor: Deve haver renegociação de contratos para reduzir despesas da prefeitura?

Mauro Ricardo: Não está sendo planejada renegociação de contratos. Nossa grande despesa é a dívida com o Tesouro Nacional, que é impagável, porque cresce com IGP-DI mais 9% ao ano, mais que a Selic. Em 2011, pagamos R$ 2,7 bilhões da dívida e nosso saldo devedor aumentou em R$ 4 bilhões. Em 2030, prazo para pagar a dívida, teremos saldo de R$ 220 bilhões.

Valor: Qual a diferença entre trabalhar para Serra e para Kassab?

Mauro Ricardo: O Serra conseguiu realizar no governo do Estado o grande sonho da vida dele: morar no serviço. Ele podia trabalhar a hora que ele quisesse. Bastava dar alguns passos, ele estava no gabinete ou na cama. Aliás, ele fez isso aqui também. Colocou uma cama no gabinete.

Valor: E o modo de gerir?

Mauro Ricardo: O Serra é obcecado por trabalho, pensa em trabalho 24 horas por dia, é extremamente determinado. O Kassab gosta de trabalhar também, mas também tem a vida dele, pessoal. Mas como o Serra é obcecado por trabalho, ele envolve todos os secretários de Estado, procurar usar as 24 horas do dia.

Confira a entrevista do secretário de Finanças de SP, Mauro Ricardo Costa, na área de vídeos do Valor.

(Marta Watanabe e Cristiane Agostine| Valor)

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