*Édison Carlos
O momento não poderia ser mais adequado. Nesta hora em que nós, brasileiros, e autoridades mundiais voltamos nossos olhos para a RIO + 20, nada mais importante do que tratarmos dos principais problemas que afetam as pessoas, as cidades, o meio ambiente, a saúde. É momento de comemorar o muito que foi feito desde a ECO 92, e temos que reconhecer isso, mas também de chamar a atenção para o muito que se deixou de fazer para diminuir as desigualdades e para que nossos descentes possam herdar os recursos naturais necessários, principalmente água doce para beber e alimentos para comer.
Os avanços foram importantes, mas infelizmente insuficientes. Somos incapazes de dar ao cidadão menos favorecido o que existe de mais básico. É vergonhoso ver que grande parte do mundo ainda vive com doenças da idade média, perigosamente sendo vítima da falta de saneamento básico que teima em prevalecer no mundo. A falta de serviços de água tratada, coleta e tratamento dos esgotos se mantêm um sério risco à saúde e uma afronta à dignidade humana. Segundo a própria Organização das Nações Unidas, a falta destes serviços afeta mais de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo, particularmente as crianças, os pobres e os desfavorecidos. A ONU projeta que, a continuar assim, em 2015 serão quase 3 bilhões.
Este cenário faz lembrar o texto do escritor Mario Vargas Llosa que afirmava que a privada deveria ser eleita como ícone da civilização e do progresso, ao invés do telefone ou da Internet. Por mais absurdo que pareça, a existência de um banheiro numa casa ainda significa um divisor da dignidade no mundo.
No Brasil, que avança para se tornar um dos 5 países mais importantes na economia, um em cada cinco brasileiros ainda não recebe água tratada, cerca de 55% da população ainda não tem suas casas conectadas a uma rede de esgoto e do pouco esgoto que se coleta no país apenas 1/3 é tratado. É um descaso que nos causa repulsa, pois são milhares de crianças e pais vítimas de diarreias, cólera, hepatite, verminoses e outras doenças da água poluída.
Segundo estudos do Instituto Trata Brasil, em 2009 foram quase 70 mil crianças entre zero e cinco anos internadas por diarreias no Brasil. 220 mil trabalhadores tiveram que se afastar do trabalho por conta destas mesmas doenças acarretando perdas de milhares de Reais em horas pagas e não trabalhadas, além de comprometer o próprio emprego destas pessoas. Pelos números do estudo, as diarreias respondem por mais de 50% das doenças relacionadas ao saneamento inadequado, sendo que, somente no universo das maiores cidades brasileiras, as 10 piores em saneamento responderam por 38% das hospitalizações por diarreia.
E o que dizer dos danos ambientais? Vivemos um desastre ecológico diário e silencioso. São bilhões e bilhões de litros de esgotos jogados in natura todos os dias nos nossos rios, lagos, aquíferos, bacias hidrográficas e no oceano. E para mostrar que o impacto não é exclusivo dos menos favorecidos, vale lembrar que, somente em Janeiro de 2011, nas praias da Baixada Santista em São Paulo, foram mais de 8.700 casos de diarreia, muito disso fruto das fortes chuvas que alagam as redes de esgoto espalhando a doença pelas cidades e praias.
E a Região Norte, berço da Amazônia, é a pior região do país em coleta e tratamento de esgotos. Falamos em proteger a floresta, mas desconhecemos seus riscos mais básicos. As cidades que banham os rios amazônicos despejam seus esgotos diretamente nos rios. Nossos rios estão em risco há décadas. Resultados da absoluta falta de planejamento das grandes cidades, num passado recente muitos deles foram vistos como problemas para o crescimento imobiliário e viário, e foram sendo transformados, alterados, contaminados… Recentemente, dados do IDS (Indicadores de Desenvolvimento Sustentável) publicados pelo IBGE mostraram a triste situação de rios emblemáticos como o Tietê em São Paulo, Capiberibe e Ipojuca em Pernambuco, Iguaçu no Paraná, Rio dos Sinos e Gravataí no Rio Grande do Sul, das Velhas em Minas Gerais, Paraíba do Sul entre SP e Rio de Janeiro, entre vários outros.
Este atentado ao cidadão e à natureza acontece 24 horas por dia, 365 dias por ano. Os esgotos representam hoje o maior impacto ambiental às águas do país, principalmente nas regiões metropolitanas. Como falar em cidades sustentáveis ou “sustentabilidade” enquanto nossos cursos d´água forem vítimas da falta dos serviços de coleta e tratamento dos esgotos, legítimo fruto do descaso e falta de prioridade política das autoridades nas últimas décadas?
Solucionar este passivo de décadas não é simples, muito menos fácil, mas cabe sim pressionar nossas autoridades, sobretudo os prefeitos, responsáveis pela solução do problema segundo a Lei do saneamento no Brasil. A ele cabe lutar pela melhoria da gestão da empresa municipal, quando for o caso, de conceder e cobrar um melhor serviço da empresa estadual ou privada, fazer uma PPP ou um sistema misto – solução existe. Cabe a prefeitos e governadores zelar pela qualidade dos serviços, transparência, cumprimento das metas e adequação das tarifas.
Ao Governo Federal, e aqui fazendo justiça à iniciativa do ex Presidente Lula que acertou na criação do Ministério das Cidades e na Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, cabe desburocratizar os procedimentos, licitações e liberações dos recursos. Os recursos do PAC são fundamentais, mas existe uma brutal lentidão na execução das obras de saneamento que não avançam mesmo após 5 anos de programa. Há carência técnica e de planejamento nas prefeituras e empresas de saneamento. O país vive dificuldades enormes com a qualidade dos projetos, com gargalos e burocracia fazendo com que os recursos cheguem em doses homeopáticas. A continuar desta forma, mesmo os PAC 1 e 2 serão incapazes de cobrir o gigante déficit que atinge o saneamento.
O Plano Nacional do Saneamento Básico, em discussão pelo Ministério das Cidades, mostra que são necessários R$ 420 bilhões para resolver o problema da água tratada, coleta e tratamento dos esgotos, lixo doméstico e drenagem das águas pluviais até 2030. Somente para entregar água tratada, coletar e tratar os esgotos são necessários R$ 270 bilhões em obras pelo país. Isso significa que precisaríamos estar investindo em torno de R$ 15 bilhões por ano em obras de água e esgotos, mas não conseguimos passar da casa dos R$ 7 a 8 bilhões, então o prazo para resolver o problema está passando dos 20 anos para 40 a 50 anos.
Cabe a todos nós, portanto, aproveitar este momento para reivindicar a rápida solução deste cenário incompatível no Brasil e no mundo. Cabe unir esforços entre ambientalistas, profissionais da saúde, educadores, imprensa e especialistas para que, com dignidade, possamos discutir o futuro sabendo que resolvemos os problemas do presente.
*Édison Carlos é presidente executivo do Instituto Trata Brasil