Carta assinada por ícones do ambientalismo e do desenvolvimento sustentável rejeita documento final da Rio+20 negociado pelo Brasil
HERTON ESCOBAR, ENVIADO ESPECIAL / RIO – O Estado de S.Paulo
Organizações não governamentais (ONGs) que participam da Rio+20 divulgaram ontem uma carta de repúdio aos resultados da conferência, assinada por ícones do ambientalismo e do desenvolvimento sustentável. Entre eles, o cientista americano Thomas Lovejoy, a ativista indiana Vandana Shiva, o economista francês Ignacy Sachs, a ex-ministra brasileira Marina Silva, o físico José Goldemberg. Até o início da noite de ontem, eram quase 50 signatários, e a carta continuava aberta para adesões.
"A Rio+20 passará para a história como uma conferência da ONU que ofereceu à sociedade mundial um texto marcado por graves omissões que comprometem a preservação e a capacidade de recuperação socioambiental do planeta, bem como a garantia, às atuais e futuras gerações, de direitos humanos adquiridos", diz a carta, de cinco parágrafos, intitulada A Rio+20 que não Queremos (leia a íntegra da declaração abaixo).
A crítica refere-se ao texto que deverá ser aprovado hoje na plenária final da conferência, de 283 parágrafos, intitulado O Futuro que Queremos. Negociado por diplomatas e fechado na terça-feira, após uma sequência de vários dias de negociação, ele será o principal legado da Rio+20 – avaliado como "histórico" pelo governo brasileiro e pela ONU, e como "fraco e muito aquém do espírito e dos avanços conquistados nestes últimos 20 anos, desde a Rio-92" pelas lideranças que assinam a carta de repúdio.
"Não esperávamos nada muito melhor do que isso, mas também não esperávamos que fossem vender algo que é um lixo como um sucesso total", disse Wael Hmaidan, da organização Climate Action Network. "Alguém tinha de dizer a verdade."
Anteontem, no primeiro dia da sessão de alta cúpula da conferência, em um discurso lido por ele, representantes de ONGs chegaram a pedir que a expressão "com plena participação da sociedade civil" fosse removida do parágrafo introdutório do documento oficial – algo que dificilmente ocorrerá. O texto da decisão é considerado fraco por não trazer nenhum comprometimento imediato com metas ou ações concretas de desenvolvimento sustentável.
Colapso. "De fato é um momento histórico", disse a ativista canadense Severn Suzuki, que na conferência de 1992, aos 12 anos, fez um discurso memorável ao chefes de Estado. "Esse documento será lembrado como prova do colapso da estrutura de governança global."
Severn também assina a carta, que foi lida ontem em uma reunião bagunçada e emotiva, convocada às pressas, no pavilhão das ONGs no Riocentro. "Passei os últimos 20 anos trabalhando de boa-fé, achando que minha voz fazia alguma diferença, que nossos líderes eleitos democraticamente tinham a capacidade de mudar o mundo", lamentou Severn, hoje com 32 anos.
A declaração seria entregue hoje ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon. "Infelizmente a Rio+20 está se transformando na Rio-20", disse o diretor executivo do Greenpeace Internacional, Kumi Naidoo. "Fico imaginando em que planeta esses negociadores vivem", disse Camila Toulmin, diretora do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Segundo Hmaidan, alguns diplomatas acusaram as ONGs de não serem "pragmáticas" em relação à crise econômica, que teria impedido países desenvolvidos de assumir compromissos mais ambiciosos. Para ele, porém, a crise é uma desculpa que "não cola", já que vários países continuam a subsidiar a indústria petrolífera e outras atividades poluentes. "Se eles quisessem fazer mais, poderiam", disse Hmaidan ao Estado. "Bastaria parar de subsidiar empresas petrolíferas e usar esse dinheiro para subsidiar o desenvolvimento da economia verde."
O documento da Rio+20 recomenda uma redução gradativa dos subsídios a combustíveis fósseis, mas não estipula obrigação ou prazo para que isso aconteça.
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