Debate sobre Cidades Sustentáveis reúne centenas de pessoas durante a Rio + 20

Evento teve a participação da Rede Nossa São Paulo, Rede Latinoamericana por Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis e do Movimento Nossa Zona Leste

Do Rio de Janeiro, Luanda Nera – luanda@isps.org.br

Mais de 600 pessoas lotaram o auditório construído no Forte de Copacabana especialmente construído para a Rio + 20 para assistir ao painel “Cidades Sustentáveis – Oportunidades para Empreendedores Sociais”, realizado na tarde deste domingo (17). O evento fez parte da programação do Fórum de Empreendedorismo Social na Nova Economia, promovido pela Ashoka, Fundação Roberto Marinho, Fundação Avina e Skoll Foundation.

O encontro reuniu no palco diferentes atores para discutir a importância das cidades no processo do desenvolvimento sustentável, as experiências bem-sucedidas ao redor do mundo e como a sociedade civil está se mobilizando para envolver a população e engajar governos e empresas.

Moderado pelo repórter e âncora da TV Globo Márcio Gomes, o painel contou com as presenças de Oded Grajew, coordenador geral da Rede Nossa São Paulo; Claudia Bustamante, do Nueva Region Como Vamos (Chile) e da Rede Latinoamericana por Cidades Justas e Sustentáveis; Eliana Sousa Santos, da Rede da Maré (Rio de Janeiro); Luis França, do Movimento Nossa Zona Leste (São Paulo); Javier Maroto, prefeito de Vitoria-Gasteiz (Espanha) e Boaventura de Sousa Santos, da Universidade de Coimbra (Portugal).

Oded Grajew abriu o debate reforçando o papel estratégico das cidades para fortalecer um novo modelo de desenvolvimento: “O jogo da sustentabilidade vai se decidir nas cidades. É nas cidades que se consomem as energias, os produtos, os serviços. É onde moram as pessoas. O que vai acontecer nas cidades é o que vai acontecer no planeta. Meu objetivo hoje é fazer com que cada um de nós saia daqui com a missão, com a possibilidade de participar e de agir para isso. Aqui é um encontro de empreendedorismo social, e isso significa cidadania ativa, na prática. Esse é o nosso objetivo”.

Grajew apresentou o Programa Cidades Sustentáveis e destacou que esta é uma grande oportunidade para que os mais diversos atores exerçam efetivamente a cidadania. “Todos nós podemos participar do Programa, divulgá-lo para suas redes, conversar com as empresas, tentar engajar os políticos. É um compromisso que pode ser assumido por todos”, enfatizou.

A mobilização que já vem provocando transformações nas regiões periféricas do Rio de Janeiro e de São Paulo foi relatada por Eliana Santos e Luis França. Eliana é uma das fundadoras da Rede da Maré, movimento que há 15 anos trabalha com eixos estruturantes para a qualidade de vida da maior favela da capital carioca: educação e arte, segurança pública, desenvolvimento territorial, cobrança de direitos. “Hoje a nossa situação é bem diferente de quando começamos. Acumulamos várias conquistas e a população já tem acesso aos equipamentos e serviços básicos. Mas isso não é o suficiente! Os indicadores de qualidade de vida mostram que ainda estamos longe do que queremos. Nossa batalha hoje é criar formas para atrair a população, mobilizar”, explicou. O projeto a Maré que Queremos é uma das iniciativas da Rede e tem o objetivo justamente de estabelecer metas para a região e apresentá-las ao poder público.

Trabalho semelhante e com resultados também concretos vem sendo realizado pelo Movimento Nossa Zona Leste, criado em 2008 a partir da Rede Nossa São Paulo. Luis França, um dos fundadores, lembrou que a região tem cerca de 4 milhões de habitantes e que é berço de conquistas importantes para o País, como o Sistema Único de Saúde. “Já tínhamos uma tradição forte de mobilização social, mas a Nossa São Paulo nos apresentou uma grande novidade: os indicadores, ferramentas que até então a população desconhecia. Os números são fundamentais para reivindicarmos nossos direitos”, contou. Ele reforçou a importância do Programa de Metas de São Paulo, mas criticou a falta de diálogo da Prefeitura com a sociedade: “As metas foram criadas num gabinete. Nós já levantamos mais de 300 metas e vamos apresentá-las aos candidatos nas eleições deste ano”. 

Claudia Bustamante, do Chile, começou listando os movimentos da sociedade civil que já existem no Brasil e na América Latina e chamou este modelo de “Cidadania 2.0”, ou seja, aquela que apresenta propostas, mobiliza e conversa com os setores público e privado: “A diferença de um observatório tradicional é que temos um grupo de indicadores que servem como ferramenta para a mobilização social. São indicadores que atestam a qualidade de vida, são meios, instrumentos para provocar a mudança que queremos para formar territórios mais justos, mais sustentáveis”.

Ela também lembrou que, assim como a Rede Nossa São Paulo, os movimentos têm como propósito final a incidência em políticas públicas. E criticou: “As autoridades ainda nos veem como ameaça. Não sabem trabalhar em conjunto com a sociedade”.

Relatando a experiência de uma cidade que hoje é referência mundial em sustentabilidade, o prefeito de Vitoria-Gasteiz, Javier Maroto, descreveu os processos que levaram o município a ganhar o título de Capital Verde Europeia 2012. Ele começou afirmando que a pressão da sociedade civil ajuda os governos – e muito. “Hoje, na Europa, a palavra sustentabilidade não é uma ação, é uma obrigação. Entendemos que precisamos oferecer mais serviços com menos recursos. O valor da sustentabiliade para nos é primordial, é uma política transversal para todos os países. E é impossível aplicar políticas de sustentabilidade sem focar nas cidades. As cidades reúnem as experiências que podem ser replicadas nacionalmente”, enfatizou.

Com o slogan “Verde por dentro. Verde por fora”, Vitoria-Gasteiz vem colecionando resultados incríveis nos indicadores de sustentabilidade. Um deles mostra que mais de 90% da população tem acesso aos principais serviços em um raio de até 300 metros de casa.

“As cidades não podem atuar sozinhas. Fazemos isso, mas não devemos. Devemos trabalhar em redes. Os exemplos das cidades já reconhecidas pela sustentabilidade devem servir para outras, deve haver intercâmbios. A proposta dos candidatos a prefeito apresentarem uma carta compromisso é essencial. E um prefeito só deve ser reeleito se comprovar desempenho nos indicadores de qualidade”, defendeu o prefeito da cidade espanhola.

Javier Maroto relatou ainda que durante a cúpula dos chefes de estado, etapa final da Rio + 20, será apresentado um documento chamado “A Carta de Vitória”, elaborado em uma reunião que contou com a participação de cidades de todo o mundo. A Rede Nossa São Paulo participou como convidada deste encontro, realizado em maio. “Uma das propostas deste documento é que as cidades precisam ser protagonistas na tomada de decisões”, adiantou.

O prefeito de Vitoria-Gasteiz concluiu afirmando que “uma cidade não se faz verde ou sustentável em quatro anos. É um projeto a longo prazo, resultado de um planejamento. Na minha cidade, todos os partidos políticos, sem exceção, trabalham juntos”.

Oded Grajew relatou o trabalho realizado pela Nossa São Paulo de monitoramento dos indicadores que revelam a desigualdade interna na maior cidade do País. E foi muito aplaudido ao fazer uma provocação aos meios de comunicação: “Todos os dirigentes dos veículos de imprensa brasileiros concordam que a Educação é o maior problema do Brasil. Mas façam uma comparação entre o espaço dedicado ao futebol e o espaço reservado às questões educativas. É injusta a proporção! Esse é um indicador importante”.

Uma das personalidades mais disputadas nas atividades da Rio + 20, o professor Boaventura de Sousa Santos ganhou o aplauso da plateia em diversos momentos. Ele começou afirmando que vem acompanhando as questões das cidades e reforçou a importância dos governos locais como grandes centros de inovação política e social nos últimos 20 anos. “A cidade é o território fundamental dos bens comuns. Nos níveis nacional e global não temos tido inovação. Ao contrário do que tem havido em nível municipal. Não é por acaso que os prefeitos das cidades mais importantes vão tentar fazer um pacto que em níveis mais globais não foi possível”, reforçou.

Boaventura também criticou o modelo atual de crescimento: “Não há cidades sustentáveis sem desenvolvimento sustentável. E não há desenvolvimento sustentável com a obsessão do crescimento infinito e do consumo desenfreado. As cidades têm apresentado graus de desigualdades enormes e isso vem sendo revelado pelo trabalho da sociedade civil, como o da Rede Nossa São Paulo”.

O professor também defendeu o conceito de “ecologia da produtividade” nas cidades: “Estamos em sociedades capitalistas, claro, mas precisamos proteger e promover as economias solidárias. Precisamos ampliar o nexo de causa e efeito. A dengue não é produzida por um mosquito, mas por um desenvolvimento predador, insalubre. Os catadores de lixo não são lixo, mas vivem em condições sub-humanas, As cidades têm a responsabilidade de criar os tempos da convivência, os tempos do encontro. E não são tempos rápidos. São o tempo do espaço público”. E concluiu: “As pessoas precisam ser envolvidas. Não há cidade sustentável sem envolvimento sustentável”.

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