“É urgente renegociar a dívida de São Paulo”, artigo de Odilon Guedes – Valor

 

Por Odilon Guedes

O orçamento da cidade de São Paulo para este ano, sexto do país, é de R$ 38,7 bilhões. As principais fontes de receita são o ISS (R$ 9,1 bilhões), a transferência de ICMS (R$ 6,7 bilhões) e o IPTU (R$ 5 bilhões).

As principais despesas estão alocadas na Secretaria da Educação (R$ 7,3 bilhões); em encargos gerais do município (R$ 7 bilhões) e saúde (R$ 5,6 bilhões). Por sua vez as despesas com investimentos estão definidas em R$ 5,3 bilhões.

A partir desses números chama a atenção no âmbito das despesas as referentes aos encargos gerais do município, que pouca gente imagina ao que se refere. Entre elas, estão as despesas com o pagamento da dívida da cidade. Dos R$ 7 bilhões desse item orçamentário, R$ 4,3 bilhões serão despendidos com a dívida, sendo que R$ 2,8 bilhões são de juros e encargos e R$ 1,5 bilhão com amortização.

O gasto correspondente à dívida do município neste ano será o terceiro maior da cidade, só perdendo para as secretarias da Educação e Saúde. Chama também a atenção que os gastos com investimentos terão somente R$ 1 bilhão a mais do que o com o pagamento da dívida.

Esses números iniciais são importantes no sentido de contextualizar no âmbito do orçamento o quanto se está despendendo com a dívida e mostra a necessidade de se compreender, com maior profundidade, as questões relativas a esse problema que afeta a vida de todos os cidadãos do município.

A cidade de São Paulo, segundo dados da Prefeitura, tem uma dívida fiscal líquida de R$ 65,7 bilhões, sendo que, em agosto de 2011, R$ 46,5 bilhões desse total era devido ao governo federal.

É necessário lembrar que essa dívida com o governo federal foi renegociada no ano de 2000, início do governo Pitta e, naquela ocasião, somava R$ 11,3 bilhões. Entre junho daquele ano e agosto de 2011 (11 anos) a cidade pagou R$ 15,5 bilhões referente a ela.

O contrato inicial previa a correção baseada no IGP-DI mais 6% de juros ao ano. Mas, havia uma cláusula que definia que, se em 30 meses não fossem pagos 20% do principal da dívida, os juros passariam a ser de 9% ao ano, retroativos à data de assinatura do contrato em 2000. Como a prefeitura não pagou os 20%, porque isso inviabilizaria a administração da cidade, os juros aumentaram para o patamar de 9%.

Considerando esse cenário, é importante compreender que esse aumento de R$ 11,3 bilhões para R$ 46,5 bilhões não ocorreu por causa de empréstimos para construção de metrô, casas populares, creches ou outros equipamentos sociais. A dívida aumentou devido somente à forma estabelecida de sua correção. Isso fez a dívida explodir e ela virou um sorvedouro dos tributos pagos pelos munícipes.

Pensando no desenvolvimento da cidade, os R$ 15,5 bilhões que já foram pagos em 11 anos dariam para construir 62 quilômetros de metrô (R$ 250 milhões o quilômetro) ou 310 mil casas populares (R$ 50 mil a unidade) ou ainda 12.916 creches (R$ 1,2 milhão cada uma). Essa permanente transferência das riquezas de nossa cidade para o governo federal é algo descomunal e injusto.

O secretário-adjunto de Finanças do município, George Tormin, em audiência pública na Câmara Municipal, afirmou que, em 2030, prazo final para o pagamento da dívida, ela pode chegar a R$ 220 bilhões por conta desse reajuste anual…"Estamos pagando muito acima da realidade do mercado" disse ele. Portanto, a dívida é impagável.

A Secretaria de Finanças do Município fez várias simulações para o pagamento da dívida tendo como base fevereiro de 2010. O total da dívida com a correção baseada no IGP-DI mais 9% de juros ao ano era, naquela data, de R$ 39,1 bilhões. Vejamos essas simulações: com a correção baseada na taxa Selic, a dívida seria de R$ 28,4 bilhões (menos R$ 10,7 bilhões); na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), seria de R$ 9,4 bilhões (R$ 29,7 bilhões a menos); no IPCA, seria de R$ 19,2 bilhões (R$ 19,9 bilhões menor); e, se o índice de correção fosse o IGP-DI mais 6% de juros ao ano, seria de R$ 26,4 bilhões (R$ 12,7 bilhões menor).

Se outros índices de correção largamente utilizados em nosso país tivessem sido escolhidos pelos negociadores, os pagamentos anuais seriam muito menores e a cidade teria, ao longo de todos esses anos, mais recursos para investir e melhorar a vida de todos.

Outra questão que merece destaque é que o montante total da dívida ultrapassa 120% da receita corrente líquida do município. Segundo a resolução nº 40 do Senado Federal, os municípios que ultrapassam esse limite estão impedidos de tomarem empréstimos. Essa situação não permite que São Paulo busque financiamentos em organismos nacionais ou internacionais para financiar a construção do metrô, casas populares, escolas e outros equipamentos sociais. Tal impedimento bloqueia a melhoria da qualidade de vida em nossa cidade.

Pelos dados apresentados, é urgente renegociar a dívida de São Paulo e defender um novo tratamento do governo federal em relação a ela. Para isso, algumas propostas: a) abrir um amplo debate na cidade para que todos tomem conhecimento desse problema; b) discutir um novo índice de correção e renegociar a dívida de acordo com ele; c) que o novo índice seja retroativo a data de assinatura do contrato; d) que o governo federal faça grandes investimentos na cidade em linhas de metrô, creches, hospitais, para compensar os R$ 15,5 bilhões que já foram pagos com os impostos de todos que aqui moram.


Odilon Guedes é economista, mestre em Economia da PUC/SP, professor universitário, membro do Conselho Regional de Economia/SP e Coordenador do Grupo de Trabalho de Orçamento da Rede Nossa São Paulo. Foi presidente do Sindicato dos Economistas, vereador e subprefeito em São Paulo.

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