Propostas foram debatidas durante “Diálogos pelo Desenvolvimento Sustentável”, evento que levou mais de duas mil pessoas ao Riocentro
Do Rio de Janeiro, Luanda Nera – luanda@isps.org.br
Como parte da série Diálogos pelo Desenvolvimento Sustentável, iniciativa do governo brasileiro durante a Rio + 20, o painel “Cidades Sustentáveis e Inovação” levou mais de duas mil pessoas ao Riocentro na noite da última segunda-feira (18). A mesa foi composta por personalidades que vem se destacando na luta pela construção de cidades sustentáveis em todo o mundo.
Um dos convidados foi Oded Grajew, coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo, que defendeu enfaticamente a necessidade dos governos estabelecerem metas e oferecerem indicadores para que a população possa acompanhar e cobrar resultados. Essa foi uma das medidas mais comentadas durante todo o diálogo, que foi mediado pelo jornalista André Trigueiro, da Rede Globo.
Trigueiro explicou a metodologia inovadora dos Diálogos, que envolveu a participação de mais de 1,3 milhão de pessoas pela internet, e anunciou que a recomendação mais votada foi “Promover o uso de dejetos como fonte de energia renovável em ambientes urbanos”. De acordo com as regras estabelecidas pelo governo brasileiro, a proposta será encaminhada diretamente aos chefes de Estado que começam a chegar ao Rio de Janeiro para a etapa final da Rio + 20. As demais recomendações foram discutidas durante todo o painel.
Nawal Al-Hosany, dos Emirados Árabes, contou sobre a iniciativa de Abu Dhabi para o desenvolvimento da cidade planejada de Masdar, da qual ela é diretora de sustentabilidade. “É um exemplo de como as cidades sustentáveis precisam ser projetadas e construídas. Precisamos permitir que as pessoas tenham uma vida sustentável. O planejamento urbano tem que ter a orientação correta, integrando o sistema de transporte ao uso do solo equilibrado, com estratégias muito claras para satisfazer as demandas locais”. Nawal Al-Hosany explicou que, a partir de medidas concretas para melhoria da qualidade do transporte público, incentivo às praças e aos parques e redução do consumo de água, Masdar apresenta hoje 10 graus de temperatura a menos do que outras regiões semelhantes.
O arquiteto chileno Alejandro Aravena desenhou a imagem das cidades como imãs, como dispositivos que podem desmontar as bombas. “Os imãs atraem as pessoas. Mas há atalhos para as qualidades. As cidades estão concentrando raiva, ressentimento, e isso é perigoso. É possível melhorar a qualidade de vida nas cidades sem mexer na distribuição de renda. Quais as novas palavras-chave sobre as cidades? Escala, velocidade e escassez. E para isso precisamos utilizar a energia das próprias pessoas. Os recursos mais sustentáveis são a energia das pessoas”, analisou. Aravena complementou afirmando que é preciso desenvolver o que chamou de “capacidade de sintetizar a complexidade sem reduzi-la”.
O arquiteto japonês Shigeru Ban relatou sua experiência como especialista em soluções para construção fácil, técnica muito utilizada na recuperação de desastres como terremotos e tsunamis. “Uma estrutura concreta pode ser facilmente destruída por um terremoto. O que é permanente e o que é temporário? Muitas vezes uma estrutura de papel pode ser permanente. Por que não fazemos uma cidade temporária? Temos que parar de desperdiçar fazendo prédios permanentes. É uma forma de fazer cidades sustentáveis”.
David Cadman, do Canadá, é presidente da organização social ICLEI – Governos pela Sustentabilidade e defendeu durante os Diálogos dois pré-requisitos para a sustentabilidade: “O primeiro é a paz – zonas de guerra não podem se reconstituir de forma sustentável. E o segundo é investimento, recursos. O capitalismo especulativo está diminuindo nossa capacidade de agir. Precisamos construir cidades resilientes”.
Oded Grajew reforçou a necessidade de que as recomendações que serão enviadas aos governos estabeleçam uma medida de mensuração, uma métrica. Ele também criticou o fato de não haver nenhuma recomendação entre as 10 propostas relacionadas à mobilidade. “Precisamos saber, por exemplo, qual a porcentagem do orçamento que será destinada às compras públicas sustentáveis ou qual a meta de investimento no transporte público. O planejamento de longo prazo pode ser acompanhado ano a ano. Há interesses por traz desse modelo, que não é sustentável. Os interesses se exprimem e se colocam quando se financiam as campanhas eleitorais. Precisamos de financiamento público e exclusivo de campanha”, defendeu, ganhando o aplauso da plateia.
Outro brasileiro que fez parte da mesa para discutir Cidades Sustentáveis e Inovação foi o arquiteto e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner. Ele concordou com Grajew sobre a importância do tema mobilidade e fez uma analogia: “75% das emissões de carbono estão nas cidades. O carro é o cigarro coletivo. Temos que entender que a cidade é uma estrutura de vida juntos. E nas nossas cidades estamos separando as funções, criando guetos, separando uns aos outros por religião. A mobilidade, a sustentabilidade e a sociodiversidade são problemas fundamentais para toda a humanidade”.
Lerner também concordou com a necessidade de estabelecermos metas e indicadores: “As medidas genéricas se afastam das cidades, se afastam das pessoas. É fundamental que a sociedade possa acompanhar e cobrar dos governos. Tendência não é destino, precisamos ser otimistas”.
Enrique Ortiz, arquiteto e urbanista do México, destacou que tecnologia e recursos não são suficientes para resolver os problemas das cidades. “Temos que escolher a cidade que queremos – a cidade das pessoas ou a cidade do dinheiro. Temos que colocar o ser humano em contato com a natureza”, defendeu. Ele também insistiu na gestão democrática das cidades, que proporcionem espaços de participação e que apoiem a capacidade produtiva das pessoas.
Janice Perlman, dos Estados Unidos, contou que passou mais de 40 anos morando em favelas no Brasil e que essa experiência mostrou a importância de construirmos uma mentalidade coletiva. “Hoje temos um bilhão de seres humanos morando em favelas de vários tipos, sem poderem participar nem como produtores, nem como consumidores, como cidadãos, nem como fonte de capital intelectual. Não podemos arriscar o futuro cortando fora 50% da população. Nos anos 2050, 1 em cada 3 ser humano viverá em favelas. Temos que criar um novo paradigma de quem somos”, completou ela, que é presidente do Projeto Megacidades. Ganhando a simpatia da plateia, Perlman concluiu que o mundo precisa de “mais amor e carinho entre as pessoas”.
No momento reservado ao debate com a participação da plateia, Oded Grajew propôs que cada uma das recomendações seja seguida pela obrigatoriedade de se criar metas para cada 10 anos com etapas intermediárias a cada dois anos. “A democracia participativa sustenta a sustentabilidade”, defendeu.
Jaime Lerner sugeriu um resumo de todas as propostas que chegasse à seguinte conclusão: as
cidades precisam melhorar a qualidade de vida e mensurar a maneira como as pessoas possam ser contempladas. Alejandro Aravena apresentou como sugestão a criação de um banco de experiências bem-sucedidas nas cidades, para que os gestores saibam como agir e no que se espelhar.
Para encerrar as discussões, André Trigueiro questionou sobre quais as prioridades para o caminho do desenvolvimento sustentável nas cidades. Na opinião de Grajew, o objetivo primordial deveria ser o combate à desigualdade. “Se olharmos nossos indicadores ficaremos com vergonha – como conseguimos deixar tanta gente em questões tão sub-humanas? A palavra chave para mim é ética humana e combate à desigualdade”, concluiu. O ex-prefeito Jaime Lerner completou que a cidade é o último refúgio da solidariedade: “Qualquer investimento em qualidade de vida gera empregos, traz retornos, promove desenvolvimento”.
Depois de quase três horas de debate, os palestrantes do painel sobre Cidades e Inovação concordaram em resumir as principais ideias apresentadas em uma única proposta, eliminando as demais recomendações. E André Trigueiro apresentou a síntese do encontro: Realocar recursos, principalmente os que são dirigidos à indústria armamentista; favorecer as pessoas; combater o “carrocentrismo”, ou seja, a multiplicação indiscriminada dos automóveis; medir a qualidade de vida nas cidades com indicadores e metas; e empoderar as comunidades, estimular a cidadania e combater a desigualdade.