Os indicadores ajudam a conhecer a sociedade e a planejar aquilo que queremos alcançar. Sua escolha é uma decisão ética
Todos concordariam que a finalidade última de nossas ações, individuais e coletivas, deveria ser a busca pelo bem-estar das pessoas. Porém, o extraordinário crescimento do consumo de drogas legais (antidepressivos, ansiolíticos, soníferos, bebidas alcoólicas etc.) e ilegais (maconha, ecstasy, cocaína, etc.), o excessivo crescimento da venda de livros de auto-ajuda e o aumento da violência e da agressividade são fortíssimos sinais de que muitas pessoas estão insatisfeitas com suas vidas.
Somos intensamente bombardeados por mensagens que nos dizem que a felicidade será alcançada pela posse do carro do ano, pela roupa da moda, pelo tênis e pelo relógio da grande marca, pelo apartamento do condomínio exclusivo (que raramente tem o nome em português), pelo eletrodoméstico, pelo aparelho de som, pelo computador e pelo celular de última geração. Parece que a felicidade seria impossível há alguns anos, quando esses objetos de desejo ainda não tinham sido inventados.
A falta de limites na cultura da competição e do consumo nos deixa sempre atrasados em relação às últimas novidades, ao último recorde, resultando em insatisfação, ansiedade e frustração permanentes.
Esse modelo de sociedade, moldada e avaliada por essa escala de valores, acaba se refletindo em nossas cidades. Sociedade sem alma produz cidades sem alma. Os templos do consumo, como shopping centers e áreas de comércio, os condomínios de apartamentos de grife, espaços nos quais se apregoa que a felicidade pode ser comprada e encontrada, e o automóvel, um dos grandes símbolos de felicidade e sucesso, determinam o modelo de mobilidade e todo o arranjo urbanístico.
Matamos nossos rios, poluímos nosso ar e nossos ouvidos, destruímos nossas florestas e parques, descuidamos da beleza e das relações pessoais, desprezamos as atividades humanas, como educação, cultura e artes, maltratamos nosso corpo e nosso espírito, perdemos o sentido do trabalho e o lucro se sobrepõe à vida. Em nome da competição e do sucesso individual, aprofundamos a desigualdade e destruímos os espaços públicos de convivência. Promovemos o desenvolvimento insustentável, comprometendo as condições de vida das futuras gerações.
Ao completar dois anos de existência, o Movimento Nossa São Paulo lança hoje publicamente o Irbem -Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município. Os nossos objetivo são promover a reflexão e o conhecimento sobre os fatores determinantes para o bem-estar das pessoas, colaborar para a humanização das relações e dos espaços públicos e privados e sensibilizar gestores públicos municipais a procurar priorizar o atendimento dessas necessidades.
Na primeira fase, será elaborado um questionário contendo os diversos itens que podem influenciar o bem-estar das pessoas que moram nas cidades, como a qualidade de suas relações familiares e comunitárias, a distribuição do tempo entre sono, trabalho, lazer, atividades culturais, locomoção e práticas esportivas, a qualidade da moradia, o estado de saúde, a satisfação no trabalho, o nível de renda, o acesso a serviços e equipamentos públicos etc.
Na segunda fase, faremos ampla pesquisa com a população, nas organizações, nas escolas, nas empresas, no nosso site (https://www.nossasaopaulo.org.br/), sobre o grau de importância de cada um dos itens para o bem-estar das pessoas. Será um exercício participativo e extremamente valioso para que cada um reflita sobre o que é realmente determinante para sua qualidade de vida. Os itens mais mencionados e os indicadores técnicos básicos oficiais coletados pelo Observatório Nossa São Paulo (que medem a qualidade da educação, da saúde, do meio ambiente etc.) comporão o Irbem, que anualmente avaliará o bem-estar da população paulistana.
Eleger critérios e prioridades de avaliação define nosso conceito de sociedade. Os indicadores ajudam a conhecer a sociedade e a planejar aquilo que queremos alcançar. Sua escolha é uma decisão ética.
Quando o crescimento do PIB passa a ser o principal indicador dos países, mesmo que seja à custa da destruição do patrimônio ambiental ou do aprofundamento da desigualdade, quando "ter" passa a ser mais importante do que o "ser", inviabilizamos o desenvolvimento que expande as liberdades e os direitos humanos. Esperamos que o Irbem se torne um instrumento para ajudar pessoas, instituições e governos a definir adequadamente o conceito do bem-estar para permitir o planejamento, a formação de parcerias e a promoção do desenvolvimento sustentável.
ODED GRAJEW, 64, empresário, é integrante do Movimento Nossa São Paulo, fundador e membro do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, idealizador do Fórum Social Mundial, idealizador e ex-presidente da Fundação Abrinq (1990-1998). Foi assessor especial da Presidência da República (2003).
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