Mesmo regulamentada em nível federal, a lei precisa ser assimilada pelos Estados e municípios para garantir transparência às contas e dados públicos.
Por Jorge Abrahão*
A Lei de Acesso à Informação (LAI) entrou em vigor em maio deste ano propondo-se a garantir que toda a população tenha acesso a documentos e informações que estejam sob a guarda de órgãos públicos, em todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e níveis de governo (União, Estados, municípios e Distrito Federal), mas sua implantação ainda vem sendo muito discutida e executada de forma distinta em cada nível de governo.
Em nível federal, por exemplo, a avaliação da forma de organização para atendimento à demanda é positiva. A Controladoria-Geral da União (CGU) tem organizado os pedidos por meio do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), que permite um melhor encaminhamento dos pedidos dentro dos órgãos federais e um acompanhamento por parte do cidadão. Segundo levantamento da CGU, 90% dos pedidos feitos ao Executivo foram atendidos dentro do prazo.
Na verdade, estamos em meio a um processo de transição para a implementação da lei, no qual os órgãos públicos precisam se adaptar a essa nova realidade. Afinal, será necessário dedicar recursos humanos e financeiros para que essa transição ocorra rapidamente e as informações e dados fiquem disponíveis à população.
A LAI representa o aperfeiçoamento do exercício da cidadania. É um passo importante de uma caminhada que vem sendo trilhada desde a Constituição de 1988, a qual redesenhou o sentido e os direitos dos cidadãos em nosso país. A Carta Magna estabeleceu o controle social dos poderes e, portanto, o direito de acesso às informações que o Estado armazena a respeito do cidadão e dos assuntos de interesse público, como orçamentos, licitações e salários de servidores de qualquer nível e instância, entre outros dados. Aliás, essas informações sempre foram públicas; o Estado era apenas o seu guardião. Hoje, a lei consolida a transparência como regra e o sigilo como exceção.
Foi para dar conta desses direitos que o Congresso Nacional aprovou a LAI. Essa lei é a ferramenta que permite uma ação fiscalizadora responsável por parte dos cidadãos e pode mudar as relações entre Estado e sociedade no Brasil, incrementando o protagonismo desta última nos assuntos nacionais. Mas para que isso seja implantado de maneira rápida e eficiente, a população deve lançar mão da lei e exigir que ela seja cumprida.
A LAI e as prefeituras das cidades-sede
Com foco nesse ponto, os comitês locais do projeto Jogos Limpos Dentro e Fora dos Estádios, do Instituto Ethos, enviaram às prefeituras de cada uma das cidades que receberão os jogos da Copa do Mundo, bem como os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, um ofício de solicitação de informações sobre a Copa, com base na Lei de Acesso a Informação.
O foco desse ofício foi avaliar um conjunto de informações e dados da administração pública municipal relativos à realização da Copa do Mundo e da Olimpíada, oferecendo à sociedade subsídios para uma maior transparência dos orçamentos e obras.
A partir dos dados obtidos, os comitês estão aplicando os indicadores de transparência municipal para avaliar o nível de transparência da adminstração municipal. O resultado final será o Índice de Transparência Municipal, que tem o objetivo de apoiar a gestão pública transparente e estimular o controle social sobre o tema do acesso à informação.
Entre as questões levantadas pelo ofício estavam, entre outras: a existência de um sítio ou portal eletrônico, mantido sob a responsabilidade da prefeitura, que contivesse informações e documentos sobre ações e gastos municipais; a disponibilidade de telefone de atendimento para o cidadão que desejasse saber tais informações; ouvidoria para que o cidadão pudesse reclamar da falta dessas ferramentas; a realização de audiências públicas, estimulando a participação popular no processo decisório; diagnóstico sobre os impactos das obras da Copa ou da Olimpíada.
Das 12 cidades-sede que receberam o ofício sobre o Índice de Transparência Municipal, cinco ainda não responderam (Brasília, Cuiabá, Fortaleza, Natal e Salvador), cinco responderam dentro do prazo estipulado (Belo Horizonte, Curitiba, Manaus, Recife e São Paulo) e duas fora do prazo (Porto Alegre e Rio de Janeiro).
A população, bem como os órgãos de fiscalização das cidades-sede que não responderam esse questionário devem estar atentos e exigir uma resposta e posição dessas prefeituras. A Lei de Acesso a Informação é mais um mecanismo que os cidadãos têm para se impor perante a sociedade, avaliar seus governos e exercer sua cidadania, tendo na transparência um meio de entender como está sendo feita a gestão de sua cidade e exigir a prestação de contas sobre os gastos públicos.
Entre os principais problemas apontados pelas respostas aos ofícios, estão: exigência de cadastramento de endereço local para solicitação da informação (a rigor, a lei determina que nenhuma exigência que inviabilize a solicitação de informação pode ser feita); falta do Serviço de Informação ao Cidadão(SIC); ausência do número de protocolo para controle da tramitação; repasse do pedido a outros órgãos da prefeitura como responsáveis pela informação. Isso acaba por estender o prazo de atendimento para além do que está previsto na LAI.
Para resolver alguns desses impasses, o projeto Jogos Limpos está discutindo e sugerindo certas medidas, tais como: constituição do SIC para atendimento de pedidos de informação; estabelecimento de um protocolo específico, quando a solicitação de informação estiver baseada na LAI, para que o cidadão possa acompanhar a tramitação; e a exigência de que, quando a informação solicitada a um órgão estiver armazenada em outro, o próprio órgão acionado deva ir buscá-la, avisando a esse respeito o solicitante.
Vale lembrar que o Pacto pela Transparência Municipal (assumido por grande parte dos candidatos a prefeito dessas cidades) surgiu a partir das respostas dadas aos ofícios. Nele, há um compromisso relacionado à regulamentação da LAI no município, passo imprescindível para sua aplicação.
* Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos.