Eric Hobsbawn e Oded Grajew: a arte de interpretar sinais – Por Jorge Abrahão

Qual a semelhança entre o historiador britânico recentemente falecido e o empreendedor social que adotou o Brasil como país do coração?

A capacidade de interpretar “sinais” e, com isso, ajudar as pessoas a agir para mudar a realidade.

Eric nasceu em Alexandria, no Egito, em 1917 numa família judia, quando o país era colônia britânica. Ele e a irmã perderam os pais na adolescência e foram adotados por tios que moravam em Berlim. Em 1933, pouco antes de Hitler ascender ao poder, a família mudou-se para a Inglaterra, porque o tio, percebendo “sinais” na vitória do Partido Nazista, resolveu sair da Alemanha “enquanto ainda dava tempo”. Amigos e parentes que não tiveram a mesma interpretação e não ouviram o que esse tio dizia morreram em campos de concentração. O fato marcou a vida de Eric que, décadas depois, já historiador consagrado, contouo o motivo de ter abraçado o ofício de explicar o passado: pelo desafio de entender os sinais do presente e, ao menos, avisar sobre as consequências de não se agir para mudar a realidade.

Oded nasceu em Tel-Aviv, em 1944, também na época em que Israel era colônia da Grã Bretanha. Seus pais vinham da Polônia e migraram para lá porque os avós também perceberam “sinais” de que o nazismo e Hitler não eram “coisa boa”. Levaram a sério essa interpretação, venderam tudo e se mudaram para Israel. Os parentes que decidiram ficar na Polônia não sobreviveram à perseguição nazista. Aos sete anos, Oded foi com a família para Paris e aos 12, chegou ao Brasil, indo morar no Rio de Janeiro. Perdeu o pai aos 15 anos e mudou-se com a mãe e o irmão para São Paulo, onde formou-se em engenharia pela Escola Politécnica da USP e desenvolveu sua carreira, primeiro de empresário do setor de brinquedos, e depois de empreendedor social.

Assim como Hobsbawn, Oded manteve-se atento aos “sinais” que ajudaram a salvar a vida daquela parte da família que os levou a sério. Outros dois fatos também ajudaram a formar seus valores e convicções: ainda criança, em Israel, jogava bola depois da escola e, no time, havia um menino que precisava trabalhar numa floricultura. Oded não se conformava de uma criança não poder brincar por causa do trabalho. Chegou a pedir para substituir o garoto na floricultura, para entender o sentimento de um menino vendo outros brincando enquanto ele trabalhava. Levar a sério os sinais e garantir condições dignas para a infância foram e são os motores que impulsionam as ações de Oded.

Hobsbawn morreu na segunda-feira, mas sobrevive em sua vasta obra que permanecerá muito tempo depois do autor.

Oded Grajew recebeu ontem, terça-feira, o título de Cidadão Paulistano pela Câmara Municipal de São Paulo, como reconhecimento pelas décadas de militância em prol de uma sociedade mais justa e sustentável.

As obras

Não cabe nesse comentário uma interpretação dos livros e das ações dessas duas personagens.

Quem leu Hobsbawn sabe quão esclarecedora e transformadora pode ser a discussão de qualquer de seus livros. O quarteto “A era das revoluções”, “A era do capital”, “A era dos impérios” e “A era dos extremos” é considerado fundamental para entender os séculos 19 e 20, contribuindo para interpretar o século 21, tão cheio de desafios desde o seu início.

Quem acompanha a história recente do Brasil não pode deixar de considerar a relevância que teve o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) para o empresariado brasileiro mais progressista romper de vez com os paradigmas dos governos militares.Ou da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, que pôs na agenda institucional e das empresas o combate ao trabalho infantil. Também deve recordar que Oded ajudou a constituir o Fórum Social Mundial, contraponto ao Fórum de Davos e à globalização baseada nos mercados, então no auge. E fundou, com onze empresários, o Instituto Ethos, para mudar a gestão dos negócios e torná-la um motor da transformação social.

Segundo Oded Grajew, as oito edições do Fórum Social Mundial avisaram o mundo sobre o colapso do modelo econômico que gerou a atual crise. Mas ninguém interpretou os sinais. Como também não se dá a devida atenção aos “recados” que o planeta está enviando a respeito do esgotamento de seus recursos. “Não se trata só de crise financeira, mas de crise de civilização: nosso modo de vida é insustentável”.

Sobre os desafios do século 21, Hobsbawn escreveu em um de seus últimos livros: “Não podemos prever as soluções dos problemas com que se defronta o mundo no século XXI, mas, quem quiser solucioná-los, deverá fazer as perguntas”. Para o historiador, as mesmas perguntas que Marx já fazia no século 19 e ainda atuais. Aliás, ele ressaltou que, na atual crise, quem reacendeu o interesse pelo barbudo alemão foi o empresariado e não a esquerda. Um paradoxo, do qual, dizia, o século 21 estará cheio.

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou.
Será?

Eric Hobsbawn e Oded Grajew têm a capacidade de interpretar os sinais do presente e de nos fazer agir. Eric pela reflexão. Oded, pela inspiração, pelo “contágio” que nos faz aderir às causas que abraça: os direitos das crianças e adolescentes; a empresa como protagonista das transformações; e as cidades sustentáveis, como lugares onde o ser humano possa realizar todas as suas capacidades.

Ambos nos provam que lucidez e utopia podem e devem andar juntas. E que precisamos de uma capacidade coletiva de sentir e interpretar sinais para adotar mudanças pessoais, empresariais e de governos.

*Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos

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