Assunto: Carta aberta à Excelentíssima Senhora Presidenta Dilma Rousseff
Carta aberta à Excelentíssima Senhora Presidenta Dilma Rousseff
O novo Código Florestal, alterado por medida provisória recém-aprovada no Congresso Nacional e que ora aguarda sanção de V. Exa., consolida a perda expressiva de extensas áreas sensíveis até então protegidas pela legislação revogada. Isto representa um grave revés na lógica de conservação e recuperação ecossistêmica presente na Lei até então vigente.
O Parlamento brasileiro demonstrou estar distanciado da sociedade brasileira ao ceder aos interesses dos ruralistas. E, como já prevíamos, o Congresso reduziu ainda mais as Áreas de Preservação Permanente (APPs) que protegem os rios e as nascentes. O texto aprovado pela Câmara e chancelado pelo Senado, se sancionado por V. Exa., permitirá diversos retrocessos. Entre eles:
a) A desproteção total de nascentes e olhos d’água intermitentes, podendo comprometer regiões importantes do País, como o Cerrado, o Pantanal e o semiárido Nordestino;
b) A utilização total e intensiva de áreas de preservação permanente de mata ciliar com grandes plantios de monocultura frutífera, inclusive com espécies exóticas e altamente intensivas em agrotóxicos;
c) A delegação plena aos Estados (nos Programas de Regularização Ambiental) do poder de definir o que deve ser consolidado ou recomposto de APP ciliar ilegalmente desmatada em rios com mais de 10 metros de largura;
d) A redução, de 30 para 20 metros, do mínimo de APP de beira de rios a ser recomposta em grandes imóveis rurais com extensão de até 15 módulos fiscais (mil hectares na Mata Atlântica e 1,5 mil ha na Amazônia);
e) A redução de 15 para 5 metros da recomposição obrigatória das APPs em margem de rios com até 2 metros de largura, independentemente do tamanho dos imóveis, inclusive para novos desmatamentos, comprometendo os rios mais vulneráveis à erosão e à contaminação por agrotóxicos.
Presidenta Dilma, V. Exa. tem agora a responsabilidade e a oportunidade de recuperar – ao menos em parte – o interesse público nacional pela proteção efetiva das florestas, a recuperação dos processos ecossistêmicos fundamentais e a função social da propriedade rural.
A ampliação das anistias e a redução da proteção e da recomposição de matas ciliares de rios e nascentes em benefício de grandes proprietários rurais infratores das normas jurídicas que vigoravam até então parece-nos completamente desprovida de razoabilidade, proporcionalidade, equidade e de fundamento no interesse público nacional.
É preciso que V.Exa. adote corajosamente a prerrogativa do veto presidencial, tanto para resgatar um mínimo de equilíbrio ambiental perdido na Lei, como também em lealdade ao compromisso eleitoral assumido expressamente por V. Exa., em 2010, no sentido de não aceitar ainda mais anistias e retrocessos na proteção ambiental. Do contrário, reinará um ambiente favorável a novos desmatamentos ilegais em todos os biomas brasileiros, motivados pelo sentimento generalizado de impunidade.
Nesse sentido, recomendamos veto aos seguintes dispositivos:
– Art. 4º, inciso IV – que limita proteção às nascentes e olhos d’água “perenes”, com o consequente retorno à vigência do artigo original da Lei 12651/12 que protege todas as nascentes e olhos d’água, inclusive os intermitentes.
– Art. 61-A, §4º – que reduz a obrigação de recompor APP ciliar em imóveis acima de 4 módulos fiscais, com o reestabelecimento da obrigação integral de recomposição da APP mínima de 30 metros, em regulamentação por decreto presidencial.
– Art. 61-A, § 5º – que restringe a recomposição de 15 metros de áreas de preservação de nascentes “perenes”, restabelecendo na regulamentação a obrigação de recomposição integral das APPs de nascentes, inclusive as intermitentes.
– Art. 61-A §13 – que estabelece os métodos de recomposição de APP, estabelecendo o detalhamento metodológico por regulamentação e eliminando a hipótese de recomposição integral com espécies frutíferas e exóticas.
Além dos vetos necessários, preocupam-nos os impactos que as medidas já sancionadas poderão ter no aumento dos desmatamentos, como já se observou, nos últimos três meses, na Amazônia e no Cerrado.
Já entramos na fase de regulamentação da nova Lei, cujo prazo vence no dia 25 de novembro, oportunidade em que tanto o governo federal quanto os governos estaduais deverão esclarecer as lacunas, eliminar as ambiguidades e estabelecer as orientações para sua implementação. No entanto, até o momento, o governo federal não abriu diálogo direto com as organizações socioambientais a esse respeito.
Na regulamentação há espaço para recuperar perdas importantes para os processos ecossistêmicos e para a produção rural sustentável. A sociedade deve ter a oportunidade de participar desse processo em tempo de evitar novos retrocessos. Assim, entendemos que:
a) A regulamentação deve assegurar a total transparência e a ampliação do controle social sobre os Programas de Regularização Ambiental e respectivos sistemas de licenciamento, monitoramento e cadastramento ambiental rural nos Estados.
b) É crucial e urgente a implementação de uma política nacional de florestas robusta que ofereça, em prazo compatível com o proposto pela Lei (até cinco anos), as condições materiais, tecnológicas, humanas e financeiras objetivas para que as áreas de preservação permanente e reservas legais sejam conservadas e recompostas em escala apropriada no País.
c) É preciso uma estratégia forte para aplicação, com tolerância zero, das sanções previstas no novo Código Florestal e na Lei de Crimes Ambientais contra os infratores que desmataram ou vierem a desmatar ilegalmente após a data de “anistia” consolidada na Lei (22 de julho de 2008). Senão, em poucos anos, por inércia e omissão, o governo será novamente tensionado a rever a data de corte para a consolidação de novos desmatamentos ilegais.
d) O governo federal deve aprovar com a máxima urgência um programa de incentivos econômicos em escala apropriada para beneficiar os produtores rurais – principalmente agricultores familiares e pequenos proprietários – que cumpriram a Lei e os que aderirem voluntariamente aos programas de regularização ambiental. Nesse sentido, merecem o mesmo esforço empenhado na aprovação do Código Florestal os projetos que tratam do Pagamento por Serviços Ambientais e da Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd+), em trâmite na Câmara dos Deputados.
Diante do exposto, requeremos a V. Exa. um exame cauteloso, técnico e responsável dos vetos acima propostos e uma resposta efetiva e clara do governo brasileiro ao conjunto dos desafios acima elencados e impostos pela nova Lei Florestal brasileira.
Em discurso na ONU na semana passada, V. Exa. falou da Rio+20 e disse que “temos a obrigação de ouvir os repetidos alertas da ciência e da sociedade no que se refere à mudança do clima”, e que o governo “está firmemente comprometido com as metas de controle das emissões de gás de efeito estufa e com o combate, sem tréguas, ao desmatamento”. Pedimos que V. Exa. tenha postura semelhante em relação ao Código Florestal e que, dessa forma, garanta a proteção dos patrimônios naturais e a qualidade de vida das futuras gerações.
Fundação SOS Mata Atlântica