Nós, representantes da sociedade civil organizada, cidadãos e cidadãs que vivenciam os resultados nefastos da atual política pública de segurança, manifestamos nossa profunda rejeição à atuação violenta e criminosa dos agentes de segurança no estado, em especial, na região Metropolitana de São Paulo, que tem sido dirigida aos jovens negros e pobres.
A atual política estadual tem sido justificada a partir da noção equivocada de ‘guerra contra o crime’, que estereotipa e persegue segmentos excluídos e marginalizados da população, elegendo-os como inimigos e jogando em seus ombros a culpa pela violência. Com um discurso baseado no preconceito, oferece um tratamento dirigido ao cidadão rico e branco e outro para cidadão pobre e negro, selecionando aqueles que serão punidos e aqueles que poderão agir sem a devida regulação da lei ou até com a sua absoluta conivência.
A maior parte da população não acredita mais na sua polícia. Segundo pesquisa recente do Ibope/Rede Nossa São Paulo, 55% dos habitantes paulistanos não confiam na polícia civil e militar. 52% não confiam na Guarda Civil Metropolitana de São Paulo. No entanto os governos entregam a esses profissionais armais letais e não letais, que, ao invés de proteger, se voltam contra a população. Somos todos reféns não apenas de maus policiais, mas daqueles que, ao ocupar os postos de comando, determinam e respondem por uma política pública genocida.
Com números muito superiores ao Massacre do Carandiru, o assassinato de jovens nos últimos anos tem sido sistemático e incide, em especial, sobre uma etnia específica: a negra. Segundo o Mapa da Violência 2011, o número de homicídios contra jovens brancos caiu 30% nos últimos anos, enquanto cresceu 13% o percentual de jovens negros assassinados. A participação policial no número de mortes vem crescendo – no primeiro trimestre de 2012 a polícia foi responsável por nada menos do que 20% dos homicídios da capital. O termo genocídio é, portanto, o que melhor define a situação. Escondidos atrás do policial que coloca sua vida em risco, os verdadeiros responsáveis insistem em negar denúncias e números assustadores, vindo a público afirmar que a situação está “sob controle” e que existem somente “problemas pontuais”. Tentam mal disfarçar que o grave problema da violência policial e do encarceiramento em massa é resultado direto de uma política de segurança pública que incita os agentes de segurança a agir de forma brutal e preconceituosa, desconsiderando os direitos constitucionais e as bases da cidadania brasileira. Enquanto especialistas dentro e fora do Brasil apontam o modelo da polícia comunitária e investigativa como os mais eficientes para promover o direito à vida segura, ainda vivemos com uma polícia que investe no policiamento ostensivo, baseado na intimidação e que defende a propriedade e não o indivíduo. Os números mostram os resultados do modelo adotado:
• 2.262 pessoas foram mortas em supostos confrontos com a polícia entre 2006 e 2010. São mais de 450 mortes a cada ano, sendo que 170 pessoas foram mortas no primeiro semestre de 2012.
• 77,3% das vítimas de intervenção legal são jovens entre 15 e 29 anos de idade, sendo 54% negros (pretos e pardos).
• 93% de casos de morte por policiais na cidade de São Paulo acontece nas periferias.
• A juventude entre 18 a 29 anos representa 56% dos presos no Brasil, a maior parte com menos de 24 anos. 65% da população carcerária é negra.
• De um universo de 174 mil detentos no Estado de São Paulo, 57,7 mil estão privados de liberdade e ainda não foram sequer julgados. São, em média, 2.700 pessoas entrando no sistema carcerário a cada mês, que possui hoje mais de 180 mil pessoas.
Diante deste quadro, por sermos parte de um Estado Democrático de Direito no qual temos os nossos direitos resguardados pela Constituição Federal, chamamos a sociedade brasileira e paulista para que se mobilize, CONTRA O GENOCÍDIO DA JUVENTUDE NEGRA. Não aceitamos a violência promovida pelo Estado! Queremos que a atual gestão do Governo do Estado de São Paulo, juntamente com sua Secretária de Segurança Publica e Prefeituras dos municípios paulistas assumam suas responsabilidades e o velho discurso do “uso político” seja trocado pela disposição de pôr fim imediatamente a essa grave realidade com ações concretas e eficazes. Que o poder legislativo elabore e aprove leis que contribuam para brecar a criminalização da pobreza e a impunidade dentro das polícias. Estamos unidos, cientes de nosso importante papel político, e apresentamos aqui as seguintes reivindicações:
1. Implementar uma política de segurança pública condizente com o Estado Democrático de Direito, com respeito às bases da cidadania brasileira, ao invés da política de “guerra ao crime”, ineficiente e violenta.
a) Desmilitarização das polícias, de acordo com recomendação de organismos internacionais e especialistas em segurança pública, de acordo com a recomendação dada por países membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
b) Constitutir, no âmbito estadual, um Grupo de Trabalho (GT), com a participação do Condepe, Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública, que possibilite a ampla participação da sociedade civil com o objetivo de elaborar um Plano de Enfrentamento da Polícia Violenta, visando, sobretudo, reduzir as taxas de mortalidade por decorrência de ação policial em São Paulo.
c) Investir na investigação policial e modelos de policiamento comunitário – ao invés de priorizar o policiamento ostensivo – e ampliar, de forma significativa, os índices de apuração de homicídios, reduzindo o percentual de casos arquivados, hoje acima dos 70%.
d) O policial réu em caso de homicídio, por precaução e proteção social, em respeito aos interesses públicos, deve ser imediatamente afastado do policiamento nas ruas, sendo-lhe terminantemente vedada a ocupação de cargo de confiança ou de comando das polícias.
f) Fim da Ronda Tobias de Aguiar – ROTA, cuja criação se deu sob o nome “Batalhão de Caçadores”, que acumula um longo histórico de arbitrariedade e execuções sumárias.
2. Combater o racismo e a vitimização da população jovem, negra e pobre.
a) Que o “Plano de Enfrentamento a Mortalidade da Juventude Negra”, que se encontra em processo de elaboração no âmbito federal, seja discutido e incorporado pelos governos municipais e pelo Estado de São Paulo assim que oficializado, e que seja debatido, de forma democrática com a população e os movimentos e organismos de defesa dos Direitos Humanos, o planejamento de execução do Plano no território paulista.
b) Qualificar e intensificar formações sobre racismo, relações étnico-raciais e de direitos humanos para as polícias, que devem passar a contar, necessariamente, com a participação de especialistas e representantes da sociedade civil com trabalho reconhecido na área, como conselheiros do CONDEPE-SP, defensores públicos e membros do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
3. Combater a impunidade do mau policial e ampliar o controle social sobre a política pública de segurança.
a) Criação de um órgão paritário (governo e sociedade civil), de forma a possibilitar a participação social na construção das políticas públicas de segurança.
b) Deve-se reconhecer a inexistência do tipo penal classificado como “resistência seguida de morte”, impossibilitando, portanto, a inserção desta classificação nos boletins de ocorrência lavrados, utilizando-se a categorização correta, “homicídio”.
c) Os processos judiciais envolvendo policiais não podem mais ter como única testemunhas os próprios policiais – hoje esse número gira em torno de 77% do total de casos, segundo pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência.
d) Implantar uma Ouvidoria Policial Externa.
e) Promover a independência do Instituto Médico Legal (IML) das polícias.
f) As Polícias devem investir em dispositivos que garantam que os Procedimentos Operacionais Padrão sejam tornados públicos, com fácil acesso à população, inclusive por meio de portais online.
4. A política pública de segurança e sistema de justiça devem combater o encarceramento em massa, baseado no preconceito e uso do poder contra populações excluídas e marginalizadas pelo sistema político-econômico (pobres, jovens e negros), e utilizar modelos mais eficientes de enfrentamento da criminalidade.
a) Aprovação, pelo Legislativo Federal, do anteprojeto elaborado por comissão de juristas, que se transformou no PLS 236/2012, descriminalizando o porte e o uso de drogas para consumo.
b) Revisão da Lei Nacional Antidrogas (nº 11.343/2006), estabelecendo critérios objetivos para distinguir o usuário e o traficante de drogas, considerando o uso discriminatório da sua aplicação hoje.
c) Dar efetividade à Lei Federal nº 12.403/11, que prevê a adoção de medidas cautelares como alternativa à prisão e ampliar a aplicação da justiça restaurativa.
5. Enfrentar a criminalização dos adolescentes pobres, exigindo-se o respeito aos seus direitos de acordo com o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
a) O Judiciário paulista deve respeitar o ECA, especialmente nos casos relacionados ao tráfico de drogas, em que é vedada a imposição de medida socioeducativa de internação, também de acordo com o entendimento do STJ exposto na Sumula 492.
b) As unidades de internação devem estabelecer medidas objetivas para pôr fim a casos de agressões e mortes de internos(as), facilitando a denúncia pelos adolescentes, e instituindo-se procedimentos claros para a apuração das denúncias, investindo-se em medidas preventivas.
c) Implementação efetiva e ampla, no Estado de São Paulo, da justiça restaurativa, seja no âmbito das medidas sócio-educativas, ou nos casos envolvendo maiores de 18 anos.
d) Desvincular a ação policial das políticas dirigidas a usuários de drogas, dando fim ao tratamento do tema como “caso de polícia” e investindo no fortalecimento da rede pública de saúde, com maior acesso à informação e com atendimento de dependentes realizado prioritariamente em meio aberto. 6. Municípios do Estado de São Paulo devem promover o desarmamento das Guardas Civis Metropolitanas, baseando seu trabalho nas diretrizes da segurança comunitária e preventiva, protegendo as populações mais pobres.
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