Níveis que medem poluição estão abaixo do recomendado pela OMS, mostra estudo
GIOVANA GIRARDI – O Estado de S.Paulo
A informação de que a qualidade do ar de uma determinada região de São Paulo está boa pode não necessariamente ser verdade. É o que sugere uma análise do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), que fez um estudo comparando padrões de medida de poluição do Brasil, dos Estados Unidos e da União Europeia.
O trabalho mostrou que os padrões brasileiros estão desatualizados em relação ao que praticam os países europeus e ainda muito aquém do que recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo os pesquisadores, os limites máximos de concentração de poluentes na atmosfera permitidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) precisam de uma revisão urgente, pois não refletem os avanços científicos sobre os efeitos que provocam sobre a saúde humana. Eles destacam os padrões em relação às emissões de dióxido de enxofre (SO2), dióxido de nitrogênio (NO2) e material particulado 10 (MP 10). Esses gases são emissões de carros.
Este último, por exemplo, de acordo com o Padrão Nacional de Qualidade do Ar, tem como limite a emissão anual de 50 microgramas/metro cúbico. A última diretriz publicada pela OMS fala, porém, que o ideal seria no máximo 20 microgramas/m³. Essa diferença pode gerar uma falsa sensação de que uma cidade como São Paulo está dentro do aceitável (veja a tabela ao lado).
"Se olharmos só os padrões em vigor no País, poderíamos afirmar que, como os dados de monitoramento indicam concentrações inferiores ao limite, a poluição atmosférica provocada pelo material particulado não é grave na Região Metropolitana de São Paulo. Porém, se tomarmos como referência as recomendações da OMS, o quadro muda totalmente", diz a advogada Kamyla Borges da Cunha, do Iema.
O trabalho questiona ainda a ausência de limites no padrão nacional para o material particulado mais fino, de 2,5 micra (milésimo de milímetro), ou MP 2,5. A OMS recomendou que ele seja monitorado após estudos mostrarem que ele é mais perigoso para a saúde humana. No Brasil, ele ainda não foi regulado.
O material particulado em geral pode causar uma série de problemas de saúde. A diferença está justamente na espessura. Por ser muito fino, o MP 2,5 acaba passando praticamente direto pelos filtros do nariz e se aloja nos alvéolos dos pulmões, podendo passar para o sangue.
De acordo com o epidemiologista Nelson Gouveia, da USP, a irritação ao órgão pode desde facilitar a instalação de uma bactéria que cause pneumonia, piorar casos de asma e agravar ou até causar a doença pulmonar obstrutiva crônica: "Ao cair na corrente sanguínea, ele atua no sistema cardiovascular, podendo causar insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio. Em ação mais crônica, pode colaborar com a arteriosclerose".
Gouveia é autor de uma pesquisa que avaliou o efeito que a poluição do ar pode ter em grávidas sobre o peso do bebê. Ele analisou 200 mil fichas de nascidos ao longo de um. E comparou o período de gestação com os dados diários de poluição. Nos casos em que a gestação coincidiu com mais dias poluídos, os bebês nasceram com menor peso.
O padrão nacional foi regulamentado pelo Conama em 1990, mas tendo como referência os adotados pelos EUA na década de 70. Só que, de lá para cá, o conhecimento científico avançou ao mostrar que uma menor concentração de poluentes pode ser nociva. Naquele país, a agência de proteção ao ambiente (EPA) ainda adota valores semelhantes, mas ao menos o Estado da Califórnia já se alinhou com o que sugere a OMS. A União Europeia adota padrões mais baixos que os nossos.
Nacional. No Brasil, o Conama iniciou uma revisão dos números, mas a proposta ainda está sendo avaliada pelo Ministério do Meio Ambiente. No Estado de São Paulo, a Cetesb também elaborou uma nova tabela de padrões de qualidade a fim de atender a recomendação da OMS em três etapas. O projeto, porém, aguarda análise do governo. Na prática, se os padrões forem atualizados, vai aumentar o número de regiões do País em situação de desconformidade – o que deve levar o Poder Público a tornar mais restritivos os limites de emissões de poluentes para fontes industriais e de veículos.